A soberania do Brasil não está na mesa de negociações.
As recentes investidas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em relação ao Brasil, geraram um efeito imediato no nosso vocabulário político: o uso extensivo da palavra soberania.
Parece que já superamos a fase de tentar descobrir o que há por trás do tarifaço do Trump. A fachada de que se trata de rearranjos do comércio internacional ou o alegado crepúsculo da globalização, seguido da alvorada de uma nova ordem mundial, estadunidense turbo, não escondem as motivações políticas e pessoais de tentar deslegitimar as instituições democráticas brasileiras.
O movimento golpista 8/1 tentou derrubar a democracia por dentro. Fizeram estragos material, simbólico e institucional. Ainda estamos pautados no debate público por quem não tem qualquer apreço pela democracia. Essa talvez seja a grande ironia que entubamos, anestesiados.
O projeto explícito dos políticos reacionários é eleger a maioria do Congresso Nacional nas eleições de 2026 para derrubar ministros do STF, promover a destituição do Lula caso ele seja reeleito e determinar a anistia ampla e irrestrita aos golpistas de 8/1.
O movimento golpista que visa subverter a democracia brasileira por dentro
Enquanto o tarifaço de Trump representa a demarcação de poder da superpotência nas relações internacionais, no plano nacional, soa como chantagem ao tentar interferir nas decisões do STF sobre o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e em relação a empresas americanas de redes sociais, as chamadas “big techs”.
Assentir ante as chantagens do Trump é eclipsar a soberania da República Federativa do Brasil.
Numa aula introdutória de Ciência Política, enunciamos, superficialmente, as noções da teoria geral do Estado. Seja pela ótica jurídica ou pelo projeto didático, para introduzirmos as concepções de Estado moderno, dizemos que ele é definido como sujeito do direito internacional enquanto constituinte de: (1) população, (2) território e (3) governo.
Posteriormente, no aprofundamento dos cursos, essas noções esquemáticas são problematizadas. Mas não há na literatura consagrada, ao menos que eu saiba, nada de respeitável que abaliza a prática de um governo estrangeiro que usa a chantagem comercial para determinar decisões da Suprema Corte de Justiça ou do Poder Executivo Federal.
Os Estados soberanos são – por definição, natureza e aspiração – independentes.
A soberania interna é demarcada pela condição de Estado Constitucional. As leis que vigoram, ainda que imperfeitas e eventualmente frágeis, são nossos pactos sociais legitimados.
Não faz sentido o Brasil soberano ser regido ou tutelado por leis ou tarifaços ditados por qualquer Estado estrangeiro.
O movimento golpista que visa subverter a democracia brasileira por fora
A respeito da soberania externa, o Brasil, em relação aos demais Estados soberanos, é igual em termos jurídicos.
Não há qualquer possiblidade de vergar ante os atores internacionais que se arrogam a condição de “mais soberanos” que os demais no sistema internacional.
Caso haja, em alguma medida, subordinação ao poder exógeno, por certo, perde-se por inteiro a soberania.
Imagina uma distopia em que atores internacionais, quer organizações, indivíduos ou corporações multinacionais, usem governos de superpotências como laranjas para garantir os seus interesses e negócios à revelia dos Estados soberanos que orbitam num sistema internacional sem núcleo.
O ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, nesta segunda-feira (04), no Itamaraty, por ocasião da sessão solene em celebração aos 80 anos de fundação do Instituto Rio Branco (IRBr), se pronunciou nestes termos: “A constituição cidadã não está e nunca estará em qualquer mesa de negociação. Nossa soberania não é moeda de troca diante de exigências inaceitáveis”.
Em outros termos, nossa bandeira jamais será laranja e nossa soberania não está na mesa de negociações do comércio internacional.