A conversão evangélica à política

Pela sua crescente institucionalidade e regularidade numérica, a Frente Parlamentar Evangélica aumenta a sua visibilidade no Congresso Nacional. Mas, não é só isso: cresce, também, a percepção daqueles que observam que aquele grupo nada mais é que uma amostragem das igrejas evangélicas brasileiras, onde o discurso ético é marcado por uma rede de ambiguidades e contradições.

Há que se levar em conta, também, o papel de outro importante ator: as redes de comunicação evangélicas. Elas são, também, grupos políticos, em expansão desde a Assembleia Nacional Constituinte de 1988. Mudanças marcantes no campo religioso brasileiro passaram a ser objeto de disputas legislativas. Ao menos, tal assombro justificou a politização pentecostal que desenvolveu estruturas formais de representação política em denominações como Assembleia de Deus, Igreja Universal do Reino de Deus e Igreja do Evangelho Quadrangular. A conversão pentecostal à política inaugurou novas formas de se chegar ao Parlamento, tendo nas igrejas evangélicas sua base eleitoral.

Ficaram evidentes quais eram os principais interesses dos deputados que hasteavam bandeiras religiosas no espaço parlamentar. Por um lado, os congressistas crentes se ocuparam de questões mais ligadas ao comportamento e à moral. Já no âmbito das comunicações, a atuação desse grupo ligado às igrejas passou à crônica política brasileira como um lamentável episódio franciscano do “é dando que se recebe”: em troca do apoio à Emenda Constitucional que dava um ano a mais de mandato ao presidente José Sarney (1985-1990), parte dos membros da bancada evangélica foi contemplada com concessões de rádio e televisão.

Do governo Sarney ao governo Lula III, arco da Nova República, a política de barganha entre Executivo Federal e as respectivas bancadas evangélicas no legislativo possui potencialmente uma moeda de troca corrente: concessões de radiodifusão.

Caso seja verdade que o amplo alcance das redes de comunicação evangélica foi viabilizado pela astúcia parlamentar, estamos diante da virtù aplaudida por Maquiavel. Assim, as ações passam a ser julgadas como boas ou más a partir dos seus resultados, e concede-se uma indulgência a quem faz um trabalho sujo capaz de encher a igreja ou contornar uma ou outra dificuldade legal.

A Subcomissão de Ciência e Tecnologia e de Comunicação foi instalada no dia 7 de abril de 1987. A composição política entre PMDB e o então PFL levou à Presidência da referida subcomissão o então deputado Arolde de Oliveira (PFL-RJ). Paulino Motter chamou a atenção para as concessões de emissoras de rádio e televisão como “moeda de troca” política no contexto da Assembleia Nacional Constituinte. O festival de concessões no governo do presidente Sarney foi um demonstrativo da persistência do clientelismo e do fisiologismo na relação entre o Poder Executivo e o Congresso Nacional.

Detalhe importante, o balão de ensaio lançado no governo Sarney foi amplamente utilizado e aperfeiçoado pelos governos subsequentes. O show da fé foi transformado em striptease no show de concessões de radiodifusão do executivo federal para excitar e seduzir as respectivas bancadas evangélicas no legislativo.

É fato que há um bloqueio dos canais de comunicação para a pluralidade dos segmentos evangélicos. As redes de comunicação, afinal de contas, têm seus donos. O verdadeiro poder político que ostentam é o da fala amplificada, e os construtores do poder simbólico se capacitam pela detenção do poder econômico. Em cada estado da Federação existe uma relação umbilical entre proprietários dos meios de comunicação (rádios, TVs, gravadoras, editoras, jornais, revistas, portais) e a representação política. Quais os representantes evangélicos que advogam em causa própria e sonham, não mais com catedrais, mas com bons negócios na área das comunicações?

Os fiéis que se submetem a essas barganhas desavergonhadas não são vítimas. Certamente, eles têm encontrado seu gozo nessas relações de poder. Se calam, consentem. Votam em quem os ungidos mandam e abdicam da vida civil ao entregar procuração aos seus líderes. Altamente “espiritualizados”, não têm tempo para as coisas de baixo. A omissão em participar da vida pública é, também, um ato político. Mais uma vez, a sociedade brasileira vai olhar para a Igreja Evangélica neste ano de eleições municipais a partir da janela político-partidária eleitoral. E que ninguém diga que é pura implicância da mídia secular ou perseguição religiosa – as candidaturas se pronunciam nesses termos e as comunidades eclesiásticas jogam o jogo. Fica tudo junto e misturado.

Valdemar Figueredo
Editor do Instituto Mosaico, Pesquisador da USP (pós-doc), cientista social e pastor
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