A CPI das igrejas evangélicas não vai acontecer

A ideia de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar megas pastores que fizeram fortunas pregando prosperidade nasce como vingança? A proposta mal engendrada do vereador Rubinho Nunes (UNIÃO-SP), um dos fundadores do Movimento Brasil Livre (MBL), pela instalação de uma CPI contra as ONGs, na verdade, tinha em mira o Padre Júlio Lancellotti. Artifício típico do MBL: lançar factoides com potencial para pautar o debate público no tom exaltado do discurso de ódio.

Neste sentido, o dileto advogado do MamãeFalei conseguiu o seu intento. Mobilizou as bases bolsonaristas para o escárnio e enfureceu os que têm no Padre Júlio Lancellotti um ícone da justiça social e do engajamento para acolher as pessoas mais vulneráveis em situação de rua. O Padre Júlio é o bom pastor ao qual nos afeiçoamos pela força do exemplo.

Neste cenário, surgem nas redes sociais o argumento central: não deve ser alvo de investigações quem se importa com os pobres e os servem, mas sim, os falsos pastores que ficaram ricos se servindo dos pobres.

Nos últimos dias circularam cenas fortes nas redes sociais de pastores ostentando riquezas adquiridas com o penoso suor alheio. Pastor José Wellington dirige um Mercedes-Benz de R$ 1,3 milhão; enquanto o Jeep do Pastor Silas Malafaia está estimado em R$ 325.990,00; o cantor Fernandinho calça um Gucci de R$ 5.890,00; o pastor André Valadão desfila nos púlpitos com um Rolex de R$ 168.868,00; o Bispo Macedo prefere vê as horas num Petek Philippe de R$ 398.052,00, até porque, tempo é dinheiro! Esses e outros itens podem ser verificados em uso pelas celebridades evangélicas que ostentam o que pregam, a prosperidade.

Os mercadores da fé levaram a outro patamar a palavra de Cristo que exalta a vida frugal: Nem mesmo Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles (Mateus 6.29). O mestre apontava para o campo em flor. Para os ansiosos, Jesus estimulava a contemplação, que olhassem para os pássaros e lírios em seus habitats naturais. Estímulo a uma vida simples e bonita que não dependa do consumo do supérfluo. Quantos aos que enriqueceram fazendo das igrejas lojinhas de bênçãos, em nada lembram os gestos de Jesus.

Sobre a mobilização para que haja a CPI das Igrejas Evangélicas, quero registrar algumas ponderações sob o ponto de vista político tentando não resvalar na vingança como conselheira. Em Brasília, na Câmara dos Deputados, a ideia de uma CPI para investigar as Igrejas Evangélicas não prosperará.

A Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional (57ª Legislatura – 2023-2027) é composta por algo em torno de 203 signatários. Lembrando que o total de membros da casa é 513.

Talvez esse dado não lhe convença. Então, falemos da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados composta pela Presidência, duas Vice-Presidências e quatro Secretarias. Arthur Lira (PP-AL) chegou à presidência da Câmara dos Deputados como um tipo de herdeiro do espólio político do evangélico Eduardo Cunha, com amplo apoio da Frente Parlamentar Evangélica. O 1º Vice-Presidente é o Deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP), homem de confiança do Bispo Macedo, Presidente Nacional do Partido Republicano desde 2011 e coordenador da bancada da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), composta na 56ª legislatura (2019-2022) por 15 Deputados na Câmara. O 2º Vice-Presidente é o Deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), a voz do Pastor Silas Malafaia no púlpito da Câmara e nas coxias do Congresso Nacional. Sóstenes Cavalcante presidiu a Frente Parlamentar Evangélica no ano de 2022 e foi membro do núcleo duro da base política do então Presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ).

Já foi o tempo em que a bancada evangélica se acomodava no baixo clero da Câmara. Atualmente, tal bancada compõe à Presidência da Mesa Diretora da Câmara com pompas, circunstâncias, orações e impetração de bênçãos. O alto clero Evangélico comunga com o alto clero da Igreja Católica quando na mesa comum está posta tanto a agenda moral quanto concessões pontuais do Estado laico? Ou será que estou ouvindo vozes do além?

Às vezes acho que quem fala hoje em CPI das igrejas evangélicas ou desconhece as feições da Câmara dos Deputados ou tem preguiça para constatar que, justamente as pessoas que querem atingir são as que pautam a ordem do dia no legislativo federal e estão devidamente blindadas.

Convém ainda lembrar que em 6 de outubro deste ano teremos eleições municipais. De forma realista, quem estaria disposto ou disposta a chancelar o pedido de instalação de CPI para investigar malversações de figuras públicas evangélicas? Será que algum partido de esquerda se arrisca? A liderança do governo na Câmara ou no Senado vai chamar para si tal responsabilidade?

Estou ciente que nos últimos dias as manifestações em torno da suposta CPI das igrejas evangélicas funcionaram como catarse coletiva. Mas analisando friamente, sou levado a concluir que não vai rolar. Ao menos, não como gostaríamos ou achamos que seja justo e necessário.

Diante do quadro desolador, o que nos resta? Vamos precisar acreditar!

  1. que os evangélicos lesados e enganados se manifestem social e juridicamente quando se depararem com lobos em pele de ovelhas.
  2. que as instituições do sistema de justiça, como Ministério Público, Polícia Federal e demais órgãos competentes, representem os direitos da sociedade e inibam os abusos financeiros/econômicos de pastores e demais líderes religiosos.
  3. que o debate público repercuta mais e mais, cada vez mais alto, o trabalho honesto e íntegro de inúmeros pastores que nada têm a ver com grifes ou mercados da fé, mas vivem nas periferias no meio do povo encarnando diariamente o amor de Jesus que se faz gesto concreto.

Eu conheço vários pastores e pastoras que vivem olhando perplexos para lírios e pássaros esperando a provisão do pão de cada dia que sempre será compartilhado. Dividem tudo o que recebem e às vezes parece faltar para as suas próprias famílias. Cantam a própria maneira, não sem dores: Sabe lá, o que é não ter e ter que ter pra dar? Sabe lá? Recebem ainda como troco a suspeição que vivem do alheio. Por isso que designações generalistas podem não fazer justiça.

Quanto a CPI das igrejas evangélicas, estou incrédulo. Acho que não vai acontecer. Insistir neste tema é tudo que a extrema direita bolsonarista quer para alimentar as suas fantasiosas teorias conspiratórias. Quando figuras insignificantes como Rubinho Nunes (UNIÃO-SP) postulam o debate público, fico na esperança de que sábios sensatos deixem passar a ira sem retroalimentar o discurso de ódio.

Valdemar Figueredo
Editor do Instituto Mosaico, Pesquisador da USP (pós-doc), cientista social e pastor
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