Os evangélicos não são vítimas dos seus representantes políticos

Nas últimas eleições no Brasil, as igrejas evangélicas mostraram-se motivadas para disputar votos. Ninguém mais tem dúvida quanto à existência de uma bancada evangélica no Congresso Nacional, e a representação política do segmento é fato consolidado. Pesquisas recentes estimam que 31% dos brasileiros se declaram evangélicos.

Não adianta recorrer aos lugares-comuns de sempre. É bobagem insistir no desgastado questionamento sobre se crente só deve votar em crente, ou se a Igreja sofre algum tipo de ameaça civil ou se pastores, afinal de contas, devem se candidatar a cargos eletivos para defender a família tradicional. A verdade é que a comunidade evangélica não é vítima dos seus representantes.

Durante certo tempo, achei que as retóricas políticas embaladas em textos bíblicos encontravam crentes bem-intencionados, mas vulneráveis. Comunidades de fé das quais os seus representantes políticos não eram dignos. No entanto, chegou a hora de dizer publicamente que, em questão de ética, a Igreja Evangélica no Brasil não é padrão.

Tenebrosas transações são realizadas nos pátios dos templos há anos, e, se quase ninguém diz nada ou faz alguma coisa, é porque se acostumou com o cheiro das coisas podres que estão sendo preparadas para o ato litúrgico. E não venham nos dizer que não estão vendo. Não dá mais para acreditar que no meio de meigas ovelhas transitam lobos políticos camuflados. O exercício do mandato político é público; quem quiser saber o desempenho do seu representante consegue chegar aos fatos – até mesmo, para ficar bastante satisfeito. Portanto, a chamada Igreja Evangélica é, sim, responsável pelas suas bancadas municipais, estaduais e federais.

Pastores-celebridades chancelam candidaturas em período eleitoral. Ficamos, então, com a esperança de que o crente responda: “Gosto de ouvi-lo pregar, mas em questão de escolha política, prefiro seguir o meu próprio pensamento, porque quero ser responsável pelas minhas decisões”.

Ingenuidade! Entre os evangélicos brasileiros existe o voto de cabresto, o clientelismo religioso e a promiscuidade eleitoral. Neste jogo, os representantes são imagens no espelho dos representados. Presumir que os eleitos são piores do que os eleitores é algo difícil de sustentar. Originalmente, o voto de cabresto ocorria em contextos rurais, nos quais o pobre sofria sérias reprimendas caso não obedecesse ao mando do coronel. Mas, e no cabresto evangélico, o medo é de quê? Ou de quem?

Há duas generalizações que, definitivamente, devem ser abandonadas nas análises sérias desse assunto. A primeira é a de que todo político evangélico é mal-intencionado ou despreparado para as questões republicanas; e a outra, a de que todo rebanho evangélico é bem-intencionado e age politicamente visando o bem público.

A verdade nua e crua é de que o crescimento numérico dos evangélicos no Brasil não correspondeu diretamente ao seu aperfeiçoamento ético. Por isso, traduzimos nas nossas relações sociais as nossas debilidades de formação. Bom seria que essas estruturas de poder, com seus respectivos mandatários, não fossem representativas da Igreja Evangélica. No entanto, não dá para defender mais.

É isso aí. Os partidos políticos, nos seus planejamentos, não veem os evangélicos como uma reserva moral e, há muito, identificaram a diferença entre o discurso de grife e a conversa na mesa de trabalho. As perguntas que não calam: Qual será a moeda de troca? Quanto custa, no período eleitoral, a Igreja de porteira fechada?

Valdemar Figueredo
Editor do Instituto Mosaico, Pesquisador da USP (pós-doc), cientista social e pastor
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