Procissão profana da igreja bolsonarista

O nível de imprecisão conceitual é enorme quando a tentativa é alocar as diversas expressões de grupos que se declaram evangélicos. Suspeito que as classificações usuais não estão dando conta da realidade! Não obstante, são usadas sem moderação tanto nos trabalhos acadêmicos como na boca do povo.

É um tal de protestantes, crentes, reformados, denominações históricas, neoconservadores, fundamentalistas, pentecostais, neopentecostais, desigrejados…

No interior da Igreja Católica Apostólica Romana convivem diversos grupos. Por definição, todos são católicos, ainda que as diferenças entre eles sejam enormes. O seio da Santa Madre Igreja é lugar de acolhimento, não obstante haver tantos empurrões entre os irmãos que comungam a hóstia.

Quem se aventura a criar tipologias sobre os Católicos no Brasil? O que foi dito na década de 1980 sobre sistemas classificatórios dos grupos católicos ainda persiste? Enquanto o Papa Francisco anuncia uma igreja em saída, em busca das periferias humanas, muitos do rebanho se rebelam e reificam estruturas clericais piramidais, hierárquicas e autocentradas.

O que dizer do termo religião africana? Mais generalista impossível. Estamos falando de que África, de que religião e de que tempo histórico? A diáspora africana entra na conversa ou estamos delimitados territorialmente? As expressões religiosas não nascem prontas por lampejos criativos dos deuses. Na falta de compreensão, tascamos no outro um rótulo que está a nossa mão.

As religiões afro-brasileiras estão para além dos catálogos dos antropólogos e para muito além dos manuais preparados nos seminários teológicos cristãos que dizem decifrar os mistérios alheios a partir das suas verdades, religiosas e culturais.

A maçonaria alega não ser uma religião. Não vou entrar neste debate em que a minha ignorância é total. Mas, seguindo a lógica do argumento até aqui utilizado, aventuro-me a uma breve incursão.

Noutra generalização, dizem que a maçonaria aderiu ao bolsonarismo com força e gosto. Foram movidos pelos princípios aprendidos nas lojas da irmandade? Caso seja fato que os maçons se converteram em grande número (%?) ao fenômeno político de extrema-direita, podemos inferir que a maçonaria é bolsonarista? Evidente que não!

Tendo por base as ideias descritas sumariamente nos parágrafos anteriores, sustento a seguir o argumento que limitar o fenômeno ao termo vago “evangélicos” é desonesto. A seguir, tentativas de ressaltar aspectos religiosos expressos no bolsonarismo sem incorrer na simplificação do preconceito religioso denunciado no uso extensivo do preconceito linguístico.

A igreja bolsonarista

O primeiro a ser dito, e mais importante, ela não foi inspirada em Jesus, mas, no Bolsonaro.

Por extensão, ela não é evangélica, ainda que congregue muitos evangélicos.

Muitos católicos aderiram a mensagem messiânica do dito mito, contudo, não dá para dizer que a Igreja Católica é bolsonarista.

Usa a bandeira de Israel como sua, todavia, trata-se de um judaísmo sem profetas, idealizado por agências de viagens que vivem da terra santa.

A teologia do grupo apoia-se na ideia do destino manifesto aplicado à realidade brasileira. Não estaria em questão expandir as fronteiras do território, mas, deixar marcado quem é do centro e quem está relegado à periferia.

Nos cultos do grupo, as pregações exorcizam o espírito de Paulo Freire no contexto da guerra cultural e no espírito da teologia do domínio.

A predestinação adaptada apregoa que haveria predileções de Deus que determinam a história. Por exemplo, os ditos eleitos dessa vertente dizem que Deus ama a Israel e suporta a Palestina.

A ética em questão enseja o espírito do neoconservadorismo. Nesta procissão profana vai atrás evangélicos, católicos, umbandistas, candomblecistas, espíritas, maçons, judaístas, sem religião, budistas, ateus…

O livro sagrado deste ecumenismo político não é a Bíblia, preferem “O imbecil coletivo”.

Os mártires cristãos contemporâneos como, o pastor alemão Dietrich Bonhoeffer (morto no campo de concentração nazista), o pastor batista Martin Luther King (morto na varanda do hotel enquanto preparava o sermão sobre direitos civis dos negros norte-americanos) o Frei Tito (torturado até a morte pela ditadura civil militar brasileira) e a Irmã Dorothy (morta numa emboscada por defender a reforma agrária na Região Amazônica) não são reverenciados pelos membros da igreja bolsonarista.

Nas missas campais organizadas para cultuar o mito é comum nos depararmos com imagens estampadas de Brilhante Ustra (torturador confesso), Olavo de Carvalho (guru do neoconservadorismo brasileiro), Daniel Silveira (um dos ícones do Movimento Pró-Armas) e Padre Kelmon (personagem folclórico da extrema direita). Imagens que não estão em oratórios, mas em banners, bonés, camisas e bandeiras.

A tal igreja não depende de dízimos e ofertas dos fiéis para sobreviver, uma vez que conta com as isenções doadas pelo executivo (municipal, estadual e federal) e das caridades das emendas parlamentares.

Nem toda igreja grande é bolsonarista, no entanto, toda igreja bolsonarista conta com subvenções do Estado.

Sem arrego não há púlpito para candidatos nos templos nem oração pelos agentes públicos nos palanques dos showmícios, na versão “cultomícios”.

Durante a Pandemia da Covid-19 espaços destinados ao culto não fecharam e diversos sacerdotes não choraram. Negação do luto. Preferiram cultuar o mito que ria da morte e chamava a peste de “gripezinha”. Entre a bolsa e a vida, os fiéis priorizaram a bolsa, com muito louvor.

Há conservadores liberais que têm apreço pela democracia e por isso mesmo não comungam da mesma fé dos membros da igreja em questão.

Todo cuidado é pouco para não estigmatizarmos os conservadores liberais com a pecha de neoconservadores bolsonaristas. Neste caso, a possibilidade de generalização é conveniente apenas aos adeptos da seita.

Valdemar Figueredo
Editor do Instituto Mosaico, Pesquisador da USP (pós-doc), cientista social e pastor
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