Seja Feita a tua Vontade
A maneira mais rápida de terminar uma discussão: “Faça como quiser!”
Assim, uma das partes abre mão da razão ou do direito e cede. Fica parecendo que o flexível é uma pessoa melhor do que o irredutível.
Uma boa forma de não entrar em demanda com Deus é simplesmente dizer: “Seja feita a tua vontade!”
Dessa forma, sou passivo, vago, desinteressado, descompromissado, superficial e generalista. Entrego tudo nas mãos dele e o responsabilizo por tudo. De forma aparentemente piedosa sussurramos: “O que o Senhor fizer tá bom.”
Mas tem um detalhe, a súplica “seja feita a sua vontade” está entre outras duas súplicas. Por um lado, “venha o teu reino” e do outro “o pão de cada dia nos dá hoje”.
Pessoas que estão atentas à dimensão de um reino fundado na justiça e paz não fazem o tipo de gente vaga e vazia acostumada a deixar tudo pra lá. Esse povo que tem sede e fome por justiça costuma ir longe para fazer o que é certo.
Pessoas envolvidas com a conquista e partilha do pão não estão acostumadas a receberem tudo pronto. É gente parecida com aquela mulher chamada de cadela e mesmo assim insistiu por farelos do pão. Fibra, coragem, determinação e força de vontade.
“Seja feita a tua vontade” é busca por discernimento. Ainda que a vontade de saber seja vaga. Orar assim pressupõe a fé num Deus pessoal que está bem além das minhas idealizações ou criações.
“Seja feita a tua vontade” é viver a flor da pele. O contrário dessa postura é viver no automático sem exceptivas. Viver para cumprir tabela pode ser confortável, mas eu detestaria viver assim com cara e capa de santo. Prefiro os loucos que sagram por uma causa. Não sou revestido de casca, mas de pele.
“Seja feita a tua vontade” é comprometer-se. Os místicos que contemplaram epifanias em lugares secretos, seja no monte ou no quarto, na cela de uma prisão ou à beira mar, progrediram para cumprir a vontade que sabiam ser a vontade de Deus.
“Seja feita a tua vontade” é abertura para rupturas. Bom quando a vontade dele coincide com a minha. Eventualmente, colide. Sendo mais honesto, geralmente colide. Gosto das coisas ao meu modo e estranho quando Deus não se adequa.
A resignação pode ser um mecanismo para dissimular a covardia. Preguiça danada para lutar contra o mal. Daí, entregamos os pontos e nos comportamos como bonzinhos conformados.
A inquietação às vezes é confundida com rebeldia, mas tem mais a ver com disposição para a luta. No início da oração, falamos de pão diário e quando clamamos venha o teu reino estamos aspirando por um dia que nunca chega. Ou melhor, seguimos desejando bem mais do que as conquistas de hoje.