O primeiro capítulo do livro bíblico de I Reis soa atual. A história se repete como farsa.
Seja em tempos bíblicos remotos ou no Brasil contemporâneo, golpistas alegam perseguição religiosa como último recurso político para fugir das responsabilizações da justiça.
O Rei Davi já estava bem velho e o assunto que ocupava a pauta política do reino era a sucessão. Absalão, primeiro na linha sucessória, havia morrido. Agora, o filho mais velho era Adonias.
Adonias acordou numa bela manhã com uma vontade enorme de reinar. Impaciente com a ordem natural das coisas, planejou um golpe em parceria com Joabe, comandante do exército de Davi, e Abiatar, o sacerdote.
O governo ilegítimo do golpista seria sustentado por duas forças vitais: militar e religiosa.
Os adeptos da tomada do poder entenderam que precisavam reunir mais apoios. Planejaram uma “festa selva” para engajar as elites políticas e econômicas. Enquanto serviam o banquete quente, prometiam isenções de impostos e rodízio de poder. Foram convidados todos os filhos de Davi, exceto Salomão.
Como ostentação de poder, Adonias convocou uma manifestação para levar o povo para a rua e liderou um desfile militar com carros de guerra e cavalos. O braço militar forte para não deixar dúvidas.
Em plena manifestação pró-golpe, realizaram um culto liderado pelo sacerdote Abiatar. Conforme os rituais religiosos daquele povo, naquela época, sacrificaram no altar muitos touros, ovelhas e bezerros. Um mimo caro para comprar o apoio de Deus.
Os valentes de Davi envelheceram com ele, sequer foram convidados para a festa. Ministros responsáveis pela administração e conselheiros do rei, de heróis, tornaram-se marcados para morrer. O reino de Adonias seria a terra dos novos empreendedores, ressentidos com os sistemas político e econômico vigentes.
Quando só faltava os golpistas invadirem o palácio, derrubar o rei Davi da cama, usurpar a coroa da sua cabeça e vandalizar os símbolos de poder, entrou em cena o profeta Natã.
O profeta aconselhou Bate-Seba, mãe de Salomão, para que ela fosse falar com Davi e desenvolvesse dois tópicos na conversa: primeiro, que o informasse que naquele momento Adonias estava forjando o golpe de “Estado”; e posteriormente, lembrasse ao rei que ele havia jurado que o seu sucessor seria Salomão. Essa conversa aconteceu na intimidade do quarto de Davi e não na sala de despacho real.
O profeta Natã chegou ao palácio e confirmou o que Bate-Seba estava dizendo. Enfático, deu a lista das pessoas que não foram convidadas para a “festa selva”: Natã (o profeta), Zadoque (o sacerdote), Benaías (o chefe da guarda pessoal do rei Davi) e Salomão.
Para bom entendedor, Natã configurou para o rei que tais omissões de Adonias funcionavam como a minuta do golpe.
O povo estava esperando uma declaração pública imediata do rei declarando quem era o seu sucessor. Davi convocou o conselho e orientou sobre os procedimentos para a coroação de Salomão.
Montado da própria mula do pai, Salomão é levado até a fonte de Giom pelas autoridades diante do testemunho do povo. Natã e Zadoque, respectivamente, profeta e sacerdote, testificaram a legitimidade do poder. Conduziram o ritual de unção do novo rei. Ungido com azeite, o povo gritou:
– Viva o rei Salomão!
Fora assim debelada a tentativa de golpe.
O alvoroço foi tão grande com o povo comemorando a coroação de Salomão que o pessoal na “festa selva” ouviu e se assustou. Souberam naquele momento que fracassaram e estavam na “ilegalidade”. Produziram, fartamente, provas contra si.
Após a coroação de Salomão, esvaziamento da festa, Adonias, apavorado com a iminente punição, fugiu para a Tenda do Senhor e se agarrou às pontas do altar.
Foi buscar refúgio atrás dos símbolos sagrados não por uma questão de fé, mas por puro oportunismo político. Era o último recurso, não apelar arrependido para Deus, mas usar o nome de Deus como escudo político.
Sabe como termina o primeiro capítulo do livro bíblico de I Reis?
Adonias pede anistia escudado pelos símbolos religiosos. Faltou dizer que o reinado de Salomão o perseguia por motivações religiosas. Salomão determinou que o irmão golpista fosse para a prisão domiciliar.
Sabe como começa o segundo capítulo de I Reis?
Adonias, mesmo em prisão domiciliar, articulava politicamente para desestruturar o reino de Salomão e reeditar o golpe. Reincidente, foi executado sob o mando de Salomão.
Quanto aos golpistas brasileiros, que estão pedindo anistia alegando perseguição religiosa, são dissimulados, não obstante, bíblicos.