Damares mente deliberadamente?
Damares Alves assumiu o cargo de ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos e no seu discurso de posse, afirmou: “O Estado é laico, mas esta ministra é terrivelmente cristã”. Isso ocorreu precisamente no dia 02 de janeiro de 2019. Dessa forma, mostrava suas credenciais numa autodefinição inusitada. Para ativistas dos direitos humanos, comunidade LGBTQIA+ e movimentos feministas, a autodesignação soou como ameaça. O que seria uma cristã terrível? Ainda que não soubéssemos exatamente, tínhamos uma pista: Damares fora assessora parlamentar do ex-senador Magno Malta (PL-ES) e nas suas falas alardeava que o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) punha a família tradicional brasileira em risco, uma vez que postulava a desconstrução da heteronormatividade.
No primeiro semestre do Governo Bolsonaro, Damares foi a ministra com maior visibilidade, seja na imprensa tradicional, nos noticiários de rádio e televisão e nas redes sociais, ainda que tivéssemos grandes personagens entre os ministros, como o Sérgio Moro (Ministro da Justiça) e Paulo Guedes (Ministro da Economia). Entre os críticos do Governo Bolsonaro havia quem interpretasse a visibilidade intempestiva da pastora como cortina de fumaça intencional para encobrir os atos da equipe de governo nos primeiros meses.
Ainda sobre as intempestividades retóricas da Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o professor Leonardo Avritzer (UFMG) coloca numa perspectiva mais ampla. A negação da política durante a campanha eleitoral foi remodelada, uma vez que o Governo Bolsonaro não podia negar-se a si mesmo. Durante o primeiro ano do governo os personagens que conseguiam ser mais agressivos no que eles entendiam como fase de demolição alcançavam maior visibilidade. Nesse contexto encontrava-se a Ministra Damares.
No dia 12 de abril de2019, um dia após a cerimônia que marcou os primeiros cem dias do governo Bolsonaro, Damares apresentou-se como a grande proponente do projeto ensino em casa (homeschooling). O que há de estranho nisso? Talvez a melhor forma de responder seja formulando uma outra pergunta: por que essa questão ficou a cargo do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e não do Ministério da Educação (MEC)? Damares justificou: “É um pedido das famílias.” Os principais beneficiários do ensino domiciliar, segundo ela, seriam as crianças portadoras de deficiências físicas e cognitivas, principalmente os autistas.
Eis que ao findar do mandato do Presidente Jair Bolsonaro (2019-2023), em plena campanha para a reeleição, ressurge Damares Alves (Republicanos – DF) vocalizando o discurso do “terrivelmente evangélico”. Consagrada pelas urnas, eleita Senadora pelo Distrito Federal com 714.562 votos (44,98%), empenha-se na condição de ativo eleitoral no segundo turno. Cumpre agenda estrategicamente em parceria com a Primeira-Dama, Michelle Bosonaro. A dupla visa sensibilizar o eleitorado evangélico feminino.
No sábado, dia 08 de outubro de 2022, pregando na Igreja Assembleia de Deus Ministério Fama (Goiânia – GO), houve uma amostra dessa abordagem. No messianismo político em que Bolsonaro figura como salvador, Lula é demonizado. A pastora discorreu para uma igreja perplexa sobre tráfico transnacional de crianças e estupro de vulneráveis. Disse que na Ilha do Marajó, no nordeste do Pará, crianças são traficadas, submetidas a abusos sexuais e as recém-nascidas são estupradas.
O “terrivelmente evangélico” encarnado pela Damares é uma variante do bolsonarismo. Tem tudo a ver com o messianismo político sustentado pelos mercadores da fé, mas nada a ver com o Evangelho ensinado e vivido por Jesus. Resta-me a identificação e solidariedade aos que se sentem violentados: vão a igreja em busca da comunhão espiritual e se deparam com abusadores que dissimulam símbolos e textos para conseguirem votos e devotos.
Damares não é louca. Há método nesses delírios.
xxxxx
Foto: Reprodução rede social