No Velho Testamento, Deus ouviu o clamor do povo oprimido no exílio e os acompanhou no êxodo. Enquanto não chegavam à terra prometida, desfrutavam da companhia de um Deus que se revelava no caminho.
Enquanto nos evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João), Deus se fez gente. Assumiu as contradições humanas e não se eximiu das dores do mundo. No princípio era o Verbo!
A encarnação é a ideia fundamental dos evangelhos. A boa nova do Evangelho é Jesus de Nazaré em carne e osso diante de contingências históricas concretas.
O cristão que só mira no Jesus glorificado se constrange com a concretude histórica do Cristo encarnado.
Talvez seja mais fácil adorá-lo na dimensão espiritual do que o imitar na esfera histórica.
A Boa Nova do Evangelho é um agir na história e não apenas o anúncio de uma notícia.
A tentação de Jesus no deserto tratou-se da oferta de três poderes:
1º. Manda que esta pedra se transforme em pão (poder social, popularidade).
2º. Se prostrado me adorares, toda a autoridade, sobre os reinos, será tua (poder político, governo).
3º. Atira-te do pináculo do templo abaixo e prova a tua divindade (poder religioso, sobrenatural).
Jesus de Nazaré declarou a sua missão logo após recusar essas propostas de poder.
“O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração de vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos.”
Pelo seu agir, Jesus contestou simultaneamente as estruturas religiosas, sociais e políticas que vigoravam. Renunciou ao cetro (símbolo de autoridade) e à espada (símbolo de força) e assumiu como missão a bacia (símbolo de serviço) com água para lavar os pés dos caminhantes cansados.
Quando declarou a Pôncio Pilatos que o reino dele não era deste mundo, Jesus falava do “poder” na dimensão do serviço ao próximo e não do mando com cetro e espada.
Jesus foi acusado de blasfemo pelos religiosos e de agitador pelos políticos.
O teólogo Christian Duquoc foi enfático ao dizer que “A cruz, antes de ser uma metáfora, é uma realidade: Jesus de Nazaré foi realmente executado” por religiosos e políticos.
O poder de síntese do profeta-poeta adere à caminhada prosaica em que as incertezas são admitidas como possibilidade de espanto com a beleza. Definitivamente, na mística poética e profética, não se cogita “marcha para Jesus” em que a intenção é mijar no poste para demarcar poder.
Na política do serviço ensinado por Jesus através dos gestos, nenhuma possibilidade de lastrear atitudes do tipo: “Esta cidade pertence ao Senhor Jesus Cristo”.
Em nada tal proferição de poder religioso reflete o ensino de Jesus de Nazaré.
Noutra frequência, disse o profeta-poeta, Pedro Casaldáliga: “E o verbo se fez classe: No ventre de Maria, Deus se fez homem. Mas, na oficina de José, Deus também se fez classe.”
Frei Betto, conversando sobre esperança, mesmo em circunstâncias políticas tão adversas de expansão da extrema direita cristã na contramão de Jesus, se pronunciou de forma assertiva traduzindo existencialmente o evangelho e suas implicações da política do serviço ao próximo como culto a Deus:
“Não abandonei a luta. A diferença é que, hoje, espero morrer semente; tenho certeza de que não participarei da colheita.”