Inspiração Bíblica 2

Voltemos ao principal texto sobre a inspiração bíblica: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o servo de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.” (2 Timóteo 3:16-17, NAA).

A expressão “toda Escritura” pode se referir a cada palavra que compõem a Escritura, quanto a Escritura como um todo. Entender a diferença e optar por um modelo não parece ser possível pela construção frasal. Isso, em si, já demonstra a necessidade de uma postulação mais clara quanto ao principal subproduto do conceito de inspiração divina, a inerrância. Se toda e qualquer palavra das “Escrituras” é inspirada, então a inerrância absoluta seria esperada. Agora, se a inspiração é no todo, há maleabilidade para perceber um equívoco gramatical aqui e acolá.

Entretanto, essa nem é a principal questão do verso de 2 Timóteo. O mais importante, sem dúvida, é a compreensão da palavra (ativa) “inspirada”.  A expressão, em grego, é theopneustos, que é uma junção de duas palavras: Deus e sopro/vento. A qualificação é que a Bíblia foi soprada por Deus. Por ser a única vez em que a expressão e o conceito aparecem na Bíblia, é necessário cautela.

Meu amigo querido Caio Peres, um biblista engajado e que está sempre antenado com as principais produções acadêmicas sobre a Bíblia, me apresentou o livro de John C. Poirier, intitulado: “The Invention of the Inspired Text: Philological Windows on the Theopneustia of Scripture”, de 2021. O livro é substancial e trabalha a ocorrência de theopneustos (e correlatos) na literatura grega.

Na introdução do livro, ele diz assim: “As páginas que se seguem não pretendem rejeitar a doutrina da inspiração, apesar da suposta afirmação das Escrituras, mas sim mostrar que, em primeiro lugar, as Escrituras realmente não fazem tal afirmação.” (Poirier, p. 16). Essa afirmação é importante, pois lembra a você, leitor dessa coluna, que nosso intuito não é rejeitar a Bíblia ou alguma doutrina específica, mas rejeitar o uso que se faz da Bíblia como arma, tendo a doutrina da inspiração e, subsequentemente, da inerrância, como base.

A parte mais importante da análise de John Poirier para nosso dia a dia é sua conclusão sobre o uso do termo em 2 Timóteo 3:16. Ele demonstra que existem dois usos, um dele associado a ideia de uma inspiração verbal, derivado de uma interpretação possivelmente equivocada de Orígenes sobre texto de Porfírio e outro uso associado a ideia de “vivificar”, ou seja, produzir vida. Essa segunda ideia é a mais antiga e a mais presente na literatura grega. A conclusão é a seguinte: “Embora o significado verbal-inspiracionista tenha prevalecido na mente de tradutores e comentaristas, o significado vivificacionista representa o pensamento de 2 Timóteo 3:16. Em vez de se referir a “toda a Escritura” como “inspirada”, o autor de 2 Timóteo chama a atenção para a qualidade “vivificante” da Escritura, qualidade que ela possui em virtude de transmitir o evangelho vivificante.” (Poirier, p. 298).

Enfim, 2 Timóteo 3:16 não fala de uma inspiração verbal ou não-verbal, de ideias, etc. Fala do objetivo principal das “Escrituras”: produzir vida!

O sopro de Deus não só produziu vida, mas continua produzindo todas as vezes em que Sua palavra nos conduz a Sua Palavra, Cristo!

Edson Nunes

Pastor da Comunidade, em São Paulo, capital. Formado em Letras e em Teologia (Unasp), com mestrado e doutorado em Bíblia Hebraica (USP) e estágio de pós-doutorado em Bíblia Hebraica (University of California, Berkeley). Pesquiso a Bíblia como literatura e, por isso, me interesso em narrativa bíblica e poesia bíblica.

OPINIÃO
As ideias aqui apresentadas são de responsabilidade exclusiva de quem assina o texto, não correspondendo, necessariamente, ao posicionamento do Instituto Mosaico.

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