Adélia Prado: espiritualidade simples

Para Conceição Evaristo

Ainda jovem universitário, adquiri o hábito de frequentar sebos à procura de raridades. Foi no Largo de São Francisco, no centro do Rio de Janeiro, por volta do ano 2000, que a encontrei pela primeira vez. Como acredito em sinais, penso que Francisco de Assis é bem mais do que nome de praça. Na prateleira empoeirada da seção de “Poesia”, abri um exemplar de Terra de Santa Cruz[1] e, na primeira página, uma dedicatória da autora: “Para Valdemar, o abraço da Adélia Prado, 10/04/81”. Bem, o sobrenome não era o meu, mas deixei esse detalhe para lá e tomei o exemplar como se me fosse entregue em mãos pela própria Adélia.

A capa do livro, vendido baratinho, não era atraente; o título não revelava muito e, quanto à autora, ainda não sabia de quem se tratava. Mas, intuitivamente, compreendi que estava perante uma dessas epifanias franciscanas. Logo na primeira leitura, deparei-me com versos como este: “A parreira verga de flores, eu durmo inebriada”[2]. Comprei o livro, primeiro pela dedicatória, depois por esse verso.

Fui cativado pelos seus poemas a desenvolver um olhar guloso de beleza – destreza para lavar os olhos e apurar todos os sentidos, sem nunca jogar um balde de água fria na fervura da sarça que arde. Apenas observar, sem pressa de saber “para quê”.

Dona doida é santa

Uma oração que fala da saudade da mãe, do pai e da infância. A casa da nossa infância com a sua gente e sentimentos. Falando com Deus sobre os que não estão mais perto porque definitivamente foram para dentro. O tempo passa e a lembrança nos aguça o sentido do que é sagrado e do quanto a vida é efêmera. “Meu Deus, me dá cinco anos.”[3] O poema “Orfandade” é uma oração que fala da mãe, do pai, da infância. O tempo impôs o silêncio e o vazio, imponderáveis. A mulher, se santa ou louca, não vem ao caso, fala dos seus sentimentos para Deus usando o formato poético. Saudades dos ausentes retratadas ao Deus presente. Orar não é mudar as coisas, mas colocar no papel o que estava escondido no coração.

Podemos dizer o mesmo de “Bucólica Nostálgica”.[4] Deus está presente nos versos em que o tema é a saudade. A cena é familiar. Coisas simples. O interessante é que não estamos diante de símbolos religiosos nem de ideias elevadas. A simplicidade de uma refeição feita daquele modo costumeiro. Sem cerimônia, tudo cheira a casa da gente num dia comum. As pessoas sequer sabem que estão sendo observadas. Nenhuma menção aos utensílios ou toalha de mesa. A memória é gustativa. Refeições rápidas em que sequer a mesa é usada. Prato na mão ou no colo. O fogão à lenha com a sua quentura, estalos e cheiros. O pai no intervalo do seu trabalho, na cozinha, comendo com gosto. Com essas lembranças é como se o fogão voltasse a acender e sentíssemos a quentura na pele. Alguém deve estar perguntando como foi a entrada triunfal de Deus nessa poesia tão corriqueira. Simplesmente, não houve entrada sobrenatural que tenha quebrado o clima do comum. Deus chegou de mansinho, abriu as panelas, se serviu de arroz e feijão, taioba, ora-pro-nobis e abóbora. Depois, pegou a canequinha e tomou o seu cafezinho. Para Adélia, Deus é de casa. Ele se ajeita no canto, se agacha e acha lugar. Mania dele de colocar uma banana no prato e misturar com a comida. Também come ligeiro, sem levantar a cabeça quase enfiada no prato.

Diz ela em “Bucólica Nostálgica”:

Ao entardecer no mato, a casa entre

bananeiras, pés de manjericão e cravo-santo,

aparece dourada. Dentro dela, agachados,

na porta da rua, sentados no fogão, ou aí mesmo,

rápidos como se fossem ao Êxodo, comem

feijão com arroz, taioba, ora-pro-nobis,

muitas vezes abóbora.

Depois, café na canequinha e pito.

O que um homem precisa pra falar,

Entre enxada e sono: Louvado seja Deus! [5]

 

Em “Bucólica Nostálgica”, assim como em “Orfandade”, prece e poesia são indissociáveis. Deus não aparece na cena para desempenhar participação especial a fim de alterar as coisas naturais. Ele participa da saudade, Ele ri e chora, escuta bem mais do que fala. Deus é de casa e não suportaria ser tratado com cerimônia.

Por esse viés, lemos as preces que parecem poemas e os poemas que acontecem como sinais humanos. As interlocuções com Deus não figuram como recurso retórico. Em Adélia, orações soam como pensamentos indomados que insistem em serem escritos. O sentimento ganha vida. Orações que não são propriamente arremedo de bons argumentos para convencer o ouvinte.

Dona doida é santa, até provem o contrário. Mulher que enruga enquanto tudo ao redor parece rejuvenescer. A doida faz orações, a santa faz queixas. A doida disfarça sensatez, a santa se permite perder a compostura. A doida se cobre para esconder a nudez, a santa se despe para atrair os olhares. Na poesia de Adélia, não é uma ou outra. A doida e a santa é uma pessoa só: “Estou no começo do meu desespero e só vejo dois caminhos: ou viro doida ou santa.”[6]

Nessa ralação dialética, Adélia é a síntese. O que torna a sua narrativa surpreendente. Seria reducionismo percebermos o dúbio onde há a pluralidade. Adélia chama nossa atenção para relações de alteridade quando ela se mostra múltipla, arredia aos enquadramentos que pretendem objetivar identidades. Simultaneamente: doida e santa.

As orações de Adélia retratam uma espiritualidade relacional no sentido em que recorre a Deus à procura Dele mesmo e não propriamente de soluções miraculosas. O afeto e o acolhimento de Deus. Ele participa das nossas dores e não faz pouco caso do nosso sentimentalismo. O que se agacha na cozinha para morder conosco os sabores, é o mesmo que chora com a gente sem apresentar uma solução divina. Humanamente empático, faz-se igual nas nossas fragilidades. Vimos isso nos poemas “Bucólica Nostálgica” e em “Orfandade”. Também em “Canção de Amor”[7] o comportamento de Deus se repete: amigo próximo que não traz soluções, solidário nas nossas lutas e dores.

O poema “Canção de Amor” começa no ápice da dramaticidade: “Veio o câncer no fígado”. Daí sucede a descrição do sofrimento com forte intensidade. Numa expectativa religiosa, bem regular nas comunidades cristãs, recorrer a Deus nesses casos é pretender reverter a doença. Mas o destaque de Adélia recaiu sobre outro aspecto. Lembra-nos num dos versos:

Ah, disseram Marta e Maria, se estivésseis aqui,

                        Nosso irmão não teria morrido. Espera, disse Jesus,

                        Deixa eu chorar primeiro. [8]

É muito mais do que escolha de estilo estético. Nessas orações, a autora expõe sua experiência com Deus. Relação afetuosa. Enquanto expressões religiosas cristãs visam cativar auditórios apresentando um Deus de resultados, Adélia faz da sua poesia, bem como da sua oração, a arte da convivência. O Totalmente Outro não é servido nos pratos de porcelana, Ele abre as panelas e se serve. Seria uma ofensa grande tratá-lo como se Ele fosse visitante.

Em Adélia, Deus está mais para o “Totalmente Próximo” do que para o “Totalmente Outro”. Ela não diz essas coisas assim, na teoria. Ela vivencia essa relação marcadamente regional, temporal e familiar.

Epifania lírica

Lampejos do divino no cotidiano da “dona doida” é lembrar-se de quando menina pertinho dos pais. A saudade produz versos e os versos reproduzem saudades. Epifania é estar em casa nos dias comuns com as pessoas de sempre. O grito “o café está pronto” só faz sentido se dito do interior da casa. Da casa da vizinha veio a música que a fez se lembrar da mãe. Não é nada cerimonioso, nem especial. É apenas uma cantiga distraída que entra na gente, encosta e fica. Basta alguém cantar da sua cozinha que nos lembramos da mãe, do pai e da casa da gente. Crianças que estavam atentas aos barulhos das panelas antes do almoço e são invadidas por uma cantiga. Epifania é a mulher sair para tomar banho de chuva e encontrar na rua a menina que um dia ela foi. Quando retorna para casa, ensopada e reconciliada, descobre nos olhos dos filhos e do marido que não é mais a menina. Para eles, ela não passa de a “dona doida”.[9]

Epifania nos versos de Adélia são acontecimentos que a fazem se lembrar da infância com os pais, em casa, nos dias normais, fazendo juntos as coisas triviais. Adélia é perturbadora porque me é familiar. Não consigo desviar e fingir que não é comigo. Às vezes me defendo dizendo que as lembranças dela são só dela. Mentira, as poetas possuem poderes de “enfeitiçar” os leitores e levá-los à experiência da regressão. As epifanias da Adélia acordam as minhas memórias, como a cantiga que a mulher cantou na casa ao lado.

Deus é o principal interlocutor. Ela conta para Ele as coisas da vida, os costumes dos pais, os acontecimentos seguidos das reações das pessoas. O olhar vagueia lento e às vezes pousa em algo ou alguém. Nessas acontecências, faz da sua poesia singelas preces. Conversa entre amigos sem estridências. Por mais que queiramos arrumar o mundo e ordená-lo conforme a nossa razão, ele nos escapa e o que temos são fragmentos. Os poemas de Adélia são fragmentos, ora compreensíveis, ora evocações que surgem do inconsciente, do fundo da alma.

Temos essa ânsia de ir além, quem sabe voar, sem, contudo, conseguirmos ser objetivos na expressão dos nossos desejos. Em “Pedido de Adoção”,[10] Adélia revela que Deus não é o sujeito oculto da sua poesia. Em “Mulher ao cair da tarde”,[11] ela brinca com Deus, faz gracejos com a ideia de castigo. Sugere sutilmente que Deus acha graça da fama que lhe deram. Em “Direitos Humanos”,[12] o argumento mais eloquente da dignidade humana consiste no fato de saber que “Deus mora em mim”. A pessoa habitada pelo divino figura como paisagem de Deus.

Enquanto em “Pedido de Adoção” descobre-se senhora de si e dependente dos amados ausentes, em “Filhinha” diz que não é órfã mais porque desfruta da companhia de um Deus que sorrir pra ela e pega em suas mãos para atravessarem juntos os percursos perigosos. As figuras de orfandade e paternidade têm a ver com espiritualidade. A poesia é o grito da senhora carente, o susto da menina que se sente só, o colo acolhedor do pai risonho e compassivo.

Nos versos de “A Pintora”,[13] Adélia traduz algo muito recorrente na sua poesia: a tristeza estampada na oração:

Não queria palavras pra rezar

                        Bastava-me ser um quadro

                        Bem na frente de Deus

                        Para Ele olhar.

Difícil localizar a linha divisória entre poesia e oração em Adélia. Estaria mais para “trilhos de trem” em que os trilhos paralelos são fundamentais para a mobilidade. Jamais um ou outro. Para que haja movimentos das locomotivas e vagões são necessários os trilhos adequadamente em paralelo, um e outro.

Os versados dirão que pessoas tristes têm manias e recorrem a Deus como traço de infantilidade. Deus funcionaria como um anestésico, fuga da realidade, sistema de compensação, mentalização com propósito terapêutico ou, quem sabe, traços de transtornos psíquicos. Não quero me alongar entrando nos méritos desse debate. Para nossos propósitos, basta dizer que em Adélia, poesia está misturada com oração. Deus não figura como um tema a parte que ela desenvolve literariamente. Ele está presente no dia a dia. Orações que não são gritadas, pois Ele está perto. Orações que não são caprichadas com modulações de voz e escolha de vocabulário culto, pois Ele é de casa.

Tão frequente quanto Deus é a tristeza. Adélia não foge, nem dissimula. Em “A Postulante”, ela articula esse enfrentamento do sofrimento. Deus não figura nessa cena como aquele que vai interromper o fluxo do sofrimento. Tem mais a ver com presença empática do que com poder transformador:

Deus tem todo o poder,

                        Até o de, por um dia inteiro, me escutar

                        Chorando sem me infligir castigo.

                        Tenho natureza triste, comi sal

                        De lágrimas no leite de minha mãe. [14]

A poesia de Adélia é espiritualidade escancarada. É espiritualidade encarnada. A espiritualidade dela é poética no sentido existencial, vai muito além do fazer versos com artifícios de fazer magia com as palavras.

Vinicius de Moraes, num dos seus poemas, disse que “De repente do riso fez-se o pranto”.[15] Lendo Adélia, descobrimos que “De repente, da tristeza fez-se prece.”

Do conto fez-se o espanto

A repercussão e boa aceitação dos livros de Adélia Prado têm a ver com a crueza da sua linguagem. Sem isso, poderia ficar no lugar comum quando surgiu em 1973, em algum estágio da poesia brasileira entre o intelectualismo e o movimento underground. Sobre esse primitivismo vindo de Divinópolis (MG), Affonso Romano de Sant´Anna o classifica como sofisticado. Essas características não são excludentes. Em Adélia Prado, primitivismo provinciano e sofisticação estão conjugados nessa poética singular. A propósito da crueza, no prefácio da primeira edição de O coração disparado,[16] Affonso Romano de Sant´Anna pondera: “A rigor, quem poderia fazer um magnífico texto sobre essa poetisa, era Mário de Andrade. Mas houve um desencontro histórico.”.[17]

A referência a Mario de Andrade poderia ser também estendida a João Guimarães Rosa. Em “Solte os Cachorros”,[18] há uma oralidade com forte sotaque das pessoas simples do Brasil profundo. Mas isso assim, cru, é literatura ou pura fala? Adélia não é uma escritora sonsa, que se faz de boba, que dissimula a linguagem para conquistar espaço na literatura brasileira pela credencial do exótico. Há um conceito na sua escrita desde os seus primeiros livros. Sua antipatia pelo esnobismo aristocrático é notória. “E não aceito mais que ninguém arreie em cima de mim os seus brasões.”[19]

Esse tom não é só de repulsa, mas também de adesão. Adélia adere à linguagem de João Guimarães Rosa e tantos outros que fazem da oralidade dos sertões escritura. Para não ficar no campo da ambiguidade ou das insinuações, Adélia arregaça:

[…] Linhagem é no banheiro que se tem. Sozinho é que o pedigree mostra o rabo. Mesmo porque linha é não perder o respeito nem de si, nem dos outros, só isso, simples. Descobri quando o capiau chegou pra mim e disse, como se lesse a ata da coroação: dona, inda que mal pergunte com perdão da palavra ondé mesmo que fica a latrina qu´eu tô obrando mole e solto hoje que tá uma derrota”. [20]

Em “Cacos para um vitral”,[21] constatamos uma escritora amadurecida que afirma uma linguagem espontânea e despojada. Caso sua prosa fosse só questão estética, poderia fazer sentido vaticínios que desconfiavam da consistência da autora. Dizer que a prosa da Adélia era marcadamente provinciana e que logo ela esgotaria o seu repertório. Enfim, rumores, há época, que a boa recepção aos primeiros livros tinha a ver com o frescor da novidade. Mas seria ela capaz de fazer daquele modo de expressão um estilo literário que não caísse na mesmice? A sua consistência decorreu do fato que a sua escrita não é uma mera opção estética, mas marcos existenciais. Tanto a poesia como a prosa de Adélia expressam verdades vividas e sentidas, não se limita à estratégia de seduzir leitores letrados que se julgam merecedores das devidas reverências dos autores. Adélia continuou falando profundamente das coisas simples do dia a dia. Colocou no centro das atenções o que costumamos ver na literatura, quando muito, como componentes do cenário.

Em “Cacos para um vitral”, destaco não propriamente um capítulo ou uma passagem do livro. A leitura desperta-nos para ser ativos, seja em fertilizar a memória e entregar-se aos seus próprios diálogos ou em encorajar-nos para escrever. Por que não? Lendo Adélia parece possível. Ainda que não venhamos a dizer nada especial, apenas desatar o nó da garganta. Literatura como voz da alma, expressão existencial.

Daí que retornamos e justificamos o que chamamos de “crueza” da linguagem. Concordo com Affonso Romano de Sant´Anna, essa forma despojada e simples de escrever não tem a ver com ser rude ou vulgar, justamente o contrário. Esse é o traço essencial da escritora, profundamente sofisticado. A oralidade do povo do sertão, o modo direto de falar que expõe os vários tipos de dissimulações aristocráticas (ditos cultos). Em “Os componentes da banda”, deparamo-nos com um desses fragmentos em que a oralidade de um capiau de Divinópolis aparece com graça e verdade:

Que maravilha Seo Barreto na moita, cagando e tendo dentro de si o poder de curar! Vou ficar doida. Não vai não, me disse Alberto, saiba que o demônio surpreendeu São Francisco atrás da moita, rezando enquanto cagava, e achou que ia arregaçar com a santidade dele. Invejoso e ordinário como é, disse-lhe o príncipe das trevas: ‘Como ousas, sacrílego, num momento desses louvar o Senhor?’ São Francisco só desviou os olhos um pouquinho, na direção do maligno e o fulminou: ‘O que sobe entrego a Deus, o que desce é procê’. [22]

Talvez, sob prisma de uma burguesia dita ilustrada que julga possuir o monopólio do “bom gosto” estético, o fragmento citado é tratado na sua crueza como demérito da escritora. Crueza vista como o primitivismo iletrado, ignorante, rude e até desrespeitoso. Mas por outro prisma, por onde eu vejo, a crueza da poeta é justamente a sua beleza, eloquência, dicção e sofisticação. Quem consegue ver beleza num “santo” louvando enquanto caga, conseguiu destronar Deus e vê-lo como um de nós. Chamamos isso de encarnação. Jesus como a expressão máxima da humanidade de Deus. A propósito, afetado pela poesia humanizadora de Adélia, defino “encarnação divina” como a constatação: Deus cagou entre nós, cheio de graça e verdade!

***

“Ó Deus, podemos gemer sem culpa?”[23]

Fascinou-me, na poesia de Adélia Prado, as coisas instintivas. Fui treinado para ser prático e dar respostas prontas sobre Deus. Adélia não, dar-se o direito de perguntar e deixar tudo em aberto. Valoriza o mistério e relativiza as prepotências dos empacotamentos das teologias. Aliás, esse troço de sistematizar os mistérios é uma aberração.

“Não há como escapar à fome da alegria!”[24]

Apanhar fruta madura no pé e morder uma goiaba sem qualquer cuidado. E quem disse que a goiabeira sente dor quando dela se tira o fruto? As igrejas cristãs parecem que sacralizaram somente o pão e o vinho. Em memória do Senhor, repartamos a goiaba. Celebremos a amizade à sombra das árvores, cantemos sem o eco dos templos barrocos, mas com a leveza do vento no campo, que espalha a nossa voz – cantigas de louvação que não batam no teto com a obrigação de voltar para nos atingir.

“Ó Deus, ainda assim não é sem temor que te amo, nem sem medo.”[25]

Como poderia imaginar que, naquela livraria escura, com tanta poeira, haveria um canto doído que também era o meu? Quando uma coisa me pega assim, desprevenido, hoje eu sei, tendo a sair de perto. Levei o livro para casa, mas o deixei naquela prateleira que a mão não alcança. Nem por pirraça nem por desgosto; mera fuga.

“Que cansaço é viver!”[26] Bate um cansaço, às vezes, que temos que recuar para o fundo do quintal. E chorar baixinho, para não melindrar ninguém. “Tenho tanta saudade dos meus mortos!”[27] Sei onde dói. Como você, tanta saudade assim seria insuportável, não fosse a bondade de Deus que, estranhamente, nos assiste. “Esperar contra toda esperança” é um desses mistérios que cabem na Bíblia e na sua poesia, mas não na minha cabeça. Não entendo, mas desfruto.

Espiritualidade simples, com cheiro de ensopado de galinha caipira com urucum.


[1] PRADO, Adélia. Terra de Santa Cruz. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.

[2] Ibid, p. 26.

[3] PRADO, Adélia. Poesia reunida. Rio de Janeiro: Redord, 2015, p. 19.

[4] Ibid, p. 37.

[5] Ibid, p. 37 .

[6] Ibid, p. 63.

[7] Ibid, p. 72.

[8] Ibid, p. 72.

[9] Ibid, p. 77.

[10] Ibid, p. 342.

[11] Ibid, p. 343.

[12] Ibid, p. 346.

[13] Ibid, p. 420.

[14] Ibid, p. 414.

[15] MORAIS, Vinicius. Livro de sonetos. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 19.

[16] SANT’ANNA, Affonso Romano de. O coração disparado. 1. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.

[17] SANT´ANNA, Affonso Romano de. Adélia: a mulher, o corpo e a poesia. In.:  PRADO, Adélia. Poesia reunida. Rio de Janeiro: Redord, 2015, p. 483.

[18] PRADO, Adélia. Solte os cachorros. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.

[19] Ibid, p. 21.

[20] Ibid, p. 22.

[21] PRADO, Adélia. Cacos para um vitral. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

[22] PRADO, Adélia. Os componentes da banda. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 115.

[23] Ibid, p. 23.

[24] Ibid, p. 35.

[25] Ibid, p. 79.

[26] Ibid, p. 83.

[27] Ibid, p. 47.

Valdemar Figueredo
Editor do Instituto Mosaico, Pesquisador da USP (pós-doc), cientista social e pastor
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