Há pastores de mercado e pastores comunitários

Neste mundo conturbado, em que tudo que é sólido se desmancha no ar, qual a missão da igreja? Na tentativa de responder a semelhante pergunta, é inevitável que analisemos o papel do pastor.

Modelos pastorais são mudados o tempo todo. Sujeitos suados correm atrás das adaptações; entre o primeiro e o último ano do seminarista na escola de pastores, o mundo terá dado muitas voltas. Em quatro anos, muita coisa pode mudar – e a igreja acompanha as mudanças, trocando de pele e de rosto. Dificilmente os aspectos do salão de culto continuarão os mesmos. Existe uma obsessão pelo templo.

Joseph Schumpeter (1883-1950), economista do século 20, teria na Igreja Evangélica do Brasil uma excelente amostragem do que chamou de destruição criativa. O que define a competitividade no mercado é a capacidade inovadora.

Neste diapasão, a eclesiologia não está definida pela cristologia, mas pelo mercado. Igreja, como balcão de negócios, é aquela em que o pastor está atento às tendências do mercado. O bezerro de ouro exige culto.

Jesus, segundo a Bíblia, é o fundamento da igreja. Quem pergunta pela origem para orientar a missão da igreja, hoje, há de deparar-se com a seguinte conclusão: Cristo não é da igreja, mas a igreja é de Cristo.

A profissionalização do ministério pastoral desumaniza o sujeito e racionaliza a igreja. Temos observado empreendimentos eclesiásticos considerados bem-sucedidos, enquanto seus pastores nas planícies jazem machucados. Com o tempo, o brilho nos olhos some, a mensagem se desgasta, a devoção empalidece. Agora profissionais do púlpito, os gestores eclesiásticos desenvolvem a pressa do mercado e abandonam o exercício da espiritualidade contemplativa. Tudo se torna rápido e raso, ao invés de ser lento e profundo.

Os temas das pregações passam a atender às demandas da hora; meras refeições instantâneas, com aquele gosto metálico padronizado. A Bíblia aberta, parecendo o cozer de uma refeição substanciosa no fogão a lenha, vai se tornando raro. Ficam para trás as reflexões sem exibicionismo intelectual e sem as espertezas da autoajuda maquiada de ajuda do alto.

Há pastores de mercado e pastores comunitários. Ao contrário daqueles, os pastores humanizados são comunitários e resistem à tentação de se distinguirem. Às vezes, a pressão para que o pastor se desgarre e ocupe os lugares altos vem das próprias ovelhas. Cabe aos ministros não arredarem pé das planícies. Quem quiser seguir celebridades que atravesse a rua.

Os ambientes denominacionais tornam-se tóxicos quando promovem aquelas feiras de vaidades em que o poder é disputado a tapa. Vale tudo nessas arenas, da dança da cadeira até a puxada pura e simples de tapete. É lamentável que estruturas que são cruéis com a teologia da prosperidade estão, porém, promovendo a teologia da ostentação. Pancadão cheio de duplo sentido (para não falar outra coisa).

É impressionante ver os congressos para pastores e líderes que acontecem Brasil afora, com uma frequência e um gigantismo cada vez maiores. São megaeventos onde o alardeado louvor ao Senhor dá espaço ao culto a egos. É tanta falação das celebridades evangélicas que não sobram espaços para os presentes se expressem. Dos microfones e nas rodinhas à volta dos ícones do momento, o que se ouve é o clericalismo, num festival de generalidades.

Mulher não fala, e as editoras patrocinam modismos e tendências. A teologia está contida na área vip por cordinhas de plástico que imitam correntes.

Adoraria assistir, entre nós, à retomada daquele tipo de ministério que mais se aproximava da ideia do trabalho de um artesão do que do profissionalismo dos burocratas.

A igreja, no poder do Espírito Santo, sabe silenciar para ajustar o gesto à palavra.

Valdemar Figueredo
Editor do Instituto Mosaico, Pesquisador da USP (pós-doc), cientista social e pastor
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