Jorge Messias, cotado para a vaga no STF, não é “terrivelmente evangélico”

A Fundação Perseu Abramo lançou em setembro de 2024 uma série de vídeos com depoimentos de cristãos evangélicos que conciliam fé e ação pública. Entre as personalidades entrevistadas, consta o Advogado-Geral da União, Jorge Messias (45 anos).

Os vídeos têm o objetivo de derrubar preconceitos que vêm sendo alimentados nos últimos anos por informações falsas. A Fundação Perseu Abramo se incumbiu de produzir material pertinente para que os integrantes do PT tenham subsídios para conversar com pessoas evangélicas.

Na coluna desta semana, repercuto algumas falas do Jorge Messias que explicitam a conciliação da sua experiência religiosa com a sua atuação política.

Na quinta-feira (09) o Ministro Luís Roberto Barroso anunciou sua saída do Supremo Tribunal Federal (STF). Em todas as listas dos nomes lembrados como principais cotados para substituir o Barroso, figura o nome do Advogado-Geral da União, Jorge Messias.

Ao final desta leitura, ficará evidente que não estamos diante de uma reedição de candidatura “terrivelmente evangélica” para ocupar a vaga aberta no STF.

É recorrente entre os evangélicos o testemunho de conversão e fé

Jorge Messias nasceu em um lar cristão, evangélico, e desde menino fez da igreja comunitária, local, extensão da sua família. Neste ambiente se socializou, cresceu na leitura bíblica e convivência com os irmãos da fé. Vinculado a uma igreja evangélica tradicional, batista, seu aprendizado do evangelho, que forjou o seu caráter, teve forte influência da Escola Bíblica Dominical. Encontros que geralmente ocorrem pela manhã antes dos cultos dominicais em que as classes são organizadas pelo critério etário.

Portanto, aprendeu desde menino que o supremo mandamento é amar a Deus e ao próximo como a si mesmo. Segundo ele, quem ama, neste Brasil tão desigual, sente o ímpeto para repartir o pão e atuar para ampliar as oportunidades. Jesus repartiu o pão e orientou para que não houvesse desperdício com as sobras.

O senso de justiça veio junto com a experiência de conversão, declara Jorge Messias. Atinou para a leitura do Sermão do Monte enquanto um tipo de esboço da ética vivenciada por Jesus que deve ser internalizada e praticada pelos seus seguidores. Perdoar, andar a segunda milha, dar a outra face, enxergar os pobres e oprimidos, ter fome e sede por justiça…

Formação jurídica e valores

O processo formativo a partir dos ensinamentos de Cristo não colidiram com a sua formação jurídica. Pelo contrário. Os fundamentos do evangelho que aprendeu coincidiam com a filosofia do direito que aderiu. Na sua formação, o direito que temos hoje no Estado Democrático deve ser objetivado em serviços públicos: acesso à saúde, acesso à educação, acesso à moradia digna, enfim, o amor a Deus leva-nos a olhar para o próximo, de forma especial para os mais vulneráveis.

A família tradicional cristã num país profundamente desigual

A família é a base de tudo, tanto para a formação, quanto para que a gente possa de fato exercer a nossa fé. A fé sem as obras é morta. Segundo Jorge Messias, o símbolo do compartilhar da mesa é um momento único onde a gente pode, como família, confraternizar e falar da palavra de Deus com o gesto do acolhimento e da generosidade. Não negar o pão a quem precisa deveria ser uma marca distintiva dos seguidores de Jesus.

O atual Advogado-Geral da União não consegue conceber um mundo sem que a gente possa ter uma visão de justiça social de combate às desigualdades. Lutar para criar e ampliar oportunidades sociais é um dever moral. O Brasil ainda é um país profundamente desigual. Desigualdades entre homens e mulheres, entre etnias, entre regiões do país etc.

Na percepção de Jorge Messias, nós não temos como praticar a fé cristã sem olhar para tudo isso ao nosso entorno. Até porque, o olhar de Cristo para a humanidade é um olhar de misericórdia. A graça de Deus é um atributo que devemos destacar no nosso cotidiano com ações tangíveis.

O presidente Lula vai fechar a igreja

A Fake News que o Lula e o PT vão fechar igrejas é antiga. Tentaram usar isso na campanha de 1989. Em todas as campanhas eleitorais posteriores eles requentam a mentira para assustar os eleitores evangélicos. Foi assim em 2002, 2006 e 2022 contra o Lula. Fizeram isso também contra a presidenta Dilma nas eleições de 2010 e 2014.

Jorge Messias destaca que uma vez Lula eleito em 2002, nunca houve na história desse país um aumento tão significativo de igrejas evangélicas. Não porque o governo tenha promovido tal crescimento, mas, fica provado que jamais houve qualquer perseguição ou criação de obstáculos dos governos petistas para que tal expansão ocorresse.

O advogado pernambucano pleiteia que foi o presidente Lula que criou a lei de liberdade religiosa dando pleno acesso às muitas denominações evangélicas a regularização frente ao Estado. De forma prática, essa lei de liberdade religiosa foi uma alteração importante no código civil que possibilitou a essas igrejas que tivessem condições de ter a sua situação jurídica regularizada, podendo movimentar a sua vida financeira e realizar a devida organização contábil.

No relato do Jorge Messias, em diálogo com os evangélicos, ele acentua que foi o governo Lula que sancionou a Marcha Para Jesus. Este evento é incluído no calendário Nacional como celebração do povo evangélico que o fazem com plena liberdade.

Fake News é mentira e a mentira não é coisa de Deus. Jorge Messias diz que aprendeu na Escola Bíblica Dominical que a mentira é coisa do diabo. Denuncia que muitos mentirosos penetraram nos meios evangélicos com o propósito de causar temor e intranquilidade nos períodos eleitorais.

Cotado para a vaga no STF

Espero que o Jorge Messias seja de fato o nomeado pelo Presidente da República para assumir a cadeira vaga no STF deixada pelo Ministro Luís Roberto Barroso, com a devida aprovação da maioria absoluta do Senado Federal (art. 101, parágrafo único, da CF/1988).

Cidadão brasileiro, pernambucano, 45 anos de idade, notável saber jurídico e reputação ilibada (art. 101 da CF/1988).

Elencaria outra característica que reputo como virtude indispensável. Ainda que não seja um dos pré-requisito para o cargo de ministro do STF enquanto prerrogativa constitucional: Jorge Messias não é terrivelmente evangélico.

Valdemar Figueredo

Editor do Instituto Mosaico, professor universitário, pesquisador (pós-doc USP), cientista social e pastor

OPINIÃO
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