Para aqueles que ainda não perderam de todo o sentido do Natal como festa religiosa, talvez nem sempre fique claro que os cristãos celebram o nascimento de um pobre. Muito se fala sobre a retomada do sentido original do Natal como a celebração do nascimento de Jesus (sem entrar no mérito das raízes pagãs da festa), mas mesmo assim, esquece-se que não basta o sentido religioso, é preciso a clareza teológica da encarnação. O Verbo não apenas se fez carne, mas se fez pobre!
Alguém poderá dizer: “Jesus ser pobre é um acidente histórico!”. Será? O Deus onisciente iria fazer algo por fazer? Claramente a resposta é não! Deus escolheu esvaziar-se completamente. Ele é uma criança pobre. Aliás, uma vida toda revestida de pobreza: nasce na Belém em que o rei Davi foi um pastor; migra para o Egito, imitando a sorte de tantos seres humanos que migram para sobreviver; cresce numa periferia perdida e irrelevante, Nazaré; morre pendurado numa cruz, como alguém abandonado por Deus. Nada em Jesus é realeza humana, como ele mesmo confessa (Jo 18,36).
Leva-se a sério a afirmação de que o menino foi deitado num cocho. Sim, um cocho que se usa para dar de comer aos animais. Que Deus é esse que não quis nascer no palácio do rei ou no templo sagrado de Jerusalém? Um Deus sem trono? Sim, um Deus sem trono, sem poder, sem majestade. Um Deus vazio de tudo, escondido na fragilidade de um recém-nascido. Deus quis a pobreza. Que escândalo!
Leão XIV recentemente escreveu uma Exortação Apostólica chamada Dilexit te, na qual explora o significado do amor de Deus pelos pobres. Esse texto iniciado por Francisco, mas concluído por Leão, afirma o privilegium pauperum (privilégio dos pobres), que se funda já na revelação presente no Antigo Testamento, mas que em Jesus tem sua plenitude: Jesus se revela como excluído da sociedade, como todos os pobres, e nisso manifesta-se como o Messias pobre, dos pobres e para os pobres (Dilexit te,19).
De fato, será aos pobres pastores, mal vistos à época, que os anjos dirão: “hoje, para vós, na cidade de Davi, foi dado à luz um salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc 2,11). Para os pastores nasceu o Salvador! Mais tarde, na sinagoga o próprio Jesus retoma a profecia veterotestamentária e diz que foi ungido para “evangelizar os pobres” (Lc 4,18). Como também dirá: “bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus” (Lc 6,20b).
Essa identificação de Jesus com os pobres é de tal forma profunda que se tornará critério de salvação para todos: “Tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, era estrangeiro e me acolhestes, estava nu e me vestistes, enfermo e me visitastes, na prisão e viestes a mim” (Mt 25,35-36).
A tradição da Igreja sempre viu nos pobres o alongamento histórico da presença de Jesus. São Gregório de Nissa dizia que “o Senhor, na sua bondade, emprestou a eles a sua pessoa, para que através dela se compadeçam os duros de coração e inimigos dos pobres” (PG 46, 455-468). Para São João Crisóstomo cuidar dos pobres é cuidar do próprio Cristo. É o corpo d’Ele que alimentamos, vestimos, e servimos, quando cuidamos dos pobres. Aliás, em uma Igreja que gasta tanto com adornos de ouro, cabe bem a admoestação dele que diz: “que vantagem tem o Senhor no fato de que a sua mesa esteja cheia de cálices de ouro se ele se consome por causa da fome? Saciai primeiro a Sua fome, e somente depois, se sobrar, adornem a sua mesa” (PG 58,508-509).
O Natal é a adoração de um menino pobre. Essa pobreza não é detalhe, é escolha comprometedora para a ação dos seus discípulos. Papa Francisco afirmou, por diversas vezes, desde o princípio do seu pontificado, que desejava uma “Igreja pobre e para os pobres”. Que utopia! Ou não?
Somente quando, como Igreja, adorarmos o Deus pobre na sua pobreza iremos parar de confiar no dinheiro, no poder e realizar esse caminho de conversão. Por fim, que ironia: durante muito tempo a teologia produzida na América Latina foi acusada de colocar o pobre no lugar de Cristo (diga-se de passagem, ainda é acusada disso). Enquanto que, na verdade, foi o próprio Cristo que colocou o pobre no centro e fez dele um sacramento universal.