O canto de cisne do Malafaia na Paulista

A motivação manifesta: salvar o Bolsonaro dos grilhões expondo a suposta engenharia do mal montada para prendê-lo.

Tempo da pregação do Malafaia no showmício: 00:24:08

Liturgia e semiótica: culto dominical coreografado com bandeiras do Brasil e de Israel para impressionar as pessoas com a licença de Deus.

Bases teológicas: teologia do domínio neopentecostal e o neocalvinismo fundamentalista.

Sonoplastia: som de teclado alarmando dramaticidade mesclando raiva e emotividade.

Inscrição da camiseta amarela: meu partido é o Brasil.

Expressão facial: de ódio.

Guerra espiritual: o messianismo político da extrema-direita combatendo as supostas forças do mal do Estado Democrático de Direito.

Guerra cultural: a arte de insultar à Olavo de Carvalho com roupagem messiânica.

Teoria política: adaptação da dicotomia amigo-inimigo à Carl Schmitt.

Principais inimigos públicos: Lula, Alexandre de Moraes e STF.

Conciliadores: Michel Temer e Augusto Aras.

Cronologia do golpe: ilações típicas das narrativas criadas nas comunidades virtuais sem qualquer apreço pelos fatos e pela transparência de fontes confiáveis.

Apologia: não necessariamente ao conservadorismo autoritário, como faz parecer a grande imprensa majoritária, mas, ao reacionarismo. Malafaia não é um liberal conservador, mas um reacionário que projeta um Estado totalitário, antimoderno, que nega a possibilidade de sociedade plural que convive no Estado laico.

Maioria moral: importação do fundamentalismo evangélico estadunidense da famigerada  ditadura da “maioria” judaico-cristã.

Maldição: “Presidente (Bolsonaro), se eles te prenderem não será para sua destruição, mas, para destruição deles. Você sairá de lá exaltado!”

Única citação bíblica: “O Senhor é o meu ajudador, não temerei o que me possa fazer o homem.” (Hebreus 13.6).

Hipóteses: o pastor colocou o ex-presidente em evidência a fim de se proteger numa tentativa de desviar o foco; a premonição do Malafaia diz que ele vai precisar em algum momento do benefício da anistia; o discurso estará pronto caso não consiga o perdão desejado da justiça,  injustiçado por vingança política devido a sua coragem profética.

Oração: “Nosso Deus e nosso pai, eu estou na tua presença. Em primeiro lugar eu quero pedir perdão pelos meus pecados. Quero pedir perdão pelos pecados da tua Igreja. Eu quero pedir perdão pelos pecados do povo brasileiro. Estende as tuas mãos sobre essa nação. Um povo pacífico, um povo alegre, um povo que acredita na família, um povo de ideais de liberdade. Deus, estende as tuas mãos sobre essa nação. Livra essa nação de homens maus, injustos, corruptos e perversos. Que venha um tempo de paz em cada cidade, de prosperidade. Que venham tempos de bonanças e de bênçãos.”

Os ausentes: líderes evangélicos que controlam grandes rebanhos, vultosos orçamentos, extensas redes de comunicação e que frequentavam o Palácio da Alvorada quando o inquilino era o Bolsonaro, não subiram ao trio elétrico bancado por Malafaia. Desses, as ausências mais sentidas foram a dos bispos da Igreja Universal que controlam o Partido Republicanos. Sinais dos tempos? Prenúncio de que a IURD não tem vocação para oposição? Caso tais personagens estiveram presentes no ato na Paulista, foram discretos, não fizeram questão de serem vistos.

O silêncio eloquente: do Deputado Marcos Pereira, Presidente Nacional do Republicanos, coordenador político da IURD e 1º Vice-Presidente da Câmara dos Deputados. Figura como potencial sucessor do Arthur Lira (PP-Al) na Presidência da Câmara. Dada a sua importância no Estado de São Paulo e sendo do mesmo partido do Governador Tarcísio de Freitas, que eu saiba, não teve papel importante no culto do Malafaia.

Muitos interpretaram a performance do histriônico Malafaia na Paulista como sinal de força. Não tenho dados concretos que me permitem fazer afirmações peremptórias. No entanto, modestamente, compartilho apenas minha intuição: Malafaia está desesperado e os seus gritos revelaram fraqueza.

Liberal na economia e conservador nos costumes: o liberalismo que professa sempre dependeu da mão forte e amiga do Estado e o seu conservadorismo é flexível dependendo das conveniências.

Segundo Jesus (aliás, pouco lembrado e vagamente citado no trio elétrico do Malafaia) enquanto dissertava sobre malversações de religiosos hipócritas que faziam tropeçar gente simples e sincera, “é inevitável que venham escândalos, mas aí daquele pelo qual vem o escândalo! Melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma grande pedra de moinho, e fosse afogado na profundeza do mar.” (Mateus 18.6, 7)

As palavras registradas mais duras ditas por Jesus foram direcionadas aos líderes religiosos com pretensões ao domínio, com mania de grandeza e com ambições por anistias residuais. Tal duplicidade Jesus chamava de hipocrisia.

Igreja e não crentes, oremos!

Valdemar Figueredo
Editor do Instituto Mosaico, Pesquisador da USP (pós-doc), cientista social e pastor
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