O judaísmo evangélico brasileiro é uma idealização de um Israel que não existe

A palavra “pro-feta”, de origem grega, quer dizer “o que fala para a frente”. Daí, a profecia sempre foi uma profissão ariscada.

Jesus subverteu a ordem vigente do seu tempo não por birra, mas por priorizar a pessoa humana em detrimento aos rituais religiosos. Tal escolha não lhe custou só a reputação de rabi, mas a própria vida.

Chico Buarque cantou que os poetas, como os cegos, podem ver na escuridão. Eu acrescentaria os profetas. Poetas, cegos e profetas vivem inquietos e deslocados como se estivessem sozinhos na zona de descompressão mirando paisagens desconhecidas. Mareados, seguem enjoando com o balanço dos acontecimentos.

Paulo Leminski dizia não crer em Deus. Contudo, escreveu um dos mais instigantes livros que conheço sobre Jesus. Nessa empreitada, não recorreu aos seus inconfundíveis haicais, mas se arriscou em prosa para escrever sobre Jesus com três interesses específicos: destacar a figura humana dele, apresentá-lo como subversor da ordem vigente e revelar o poeta que ele era.

É de Leminski a frase: “Jesus veio para exagerar a pureza da doutrina de Moisés”. Numa interpretação livre do fraseado do poeta, Jesus revelou o amor de Deus à medida que humanizou a doutrina de Moisés e dessacralizou os cerimoniais. O ritmo da vida reclama mais por risos fraternos do que por ritos religiosos impessoais.

Quando contemplo púlpitos nos templos de igrejas evangélicas enrolados em bandeiras do Estado de Israel, com náusea, como que mareado, constato o silenciamento dos profetas. Alguns foram exilados pelas suas congregações mais afeitas aos ritos do que às pessoas. Outros foram decapitados e tiveram a cabeça entregue na bandeja durante tentativas de golpe no palácio. Há aqueles que por conveniência se converteram à moderação dos isentos, ocupando-se das repetições dos rituais como se fossem meros funcionários de agências prestadoras de serviços celestiais.

Parte significativa dos evangélicos brasileiros, além de cobrir os púlpitos com a bandeira do Estado de Israel, resolveram embrulhar Jesus com tais panos e empurrá-lo ao sepulcro. A doutrina essencialista de Moisés, no seu estado puro, não admite a pessoa de Jesus como pedra de toque da igreja.

O que escribas e fariseus não conseguiram fazer em tempos idos, fundamentalistas ditos cristãos fazem hoje sem qualquer constrangimento: reabilitam Moisés no seu estado puro à condição de autoridade máxima e sepultam Jesus com a sua boa nova.

O judaísmo evangélico brasileiro é uma idealização de um Israel que não existe, que nunca existiu. Revela-se como movimento reacionário que só tem a ver com a extrema-direita, nada a ver com o evangelho (boa nova) de Jesus, muito menos com o verdadeiro judaísmo.

Peço licença aos leitores dessa coluna para dirigir-me mais diretamente as minhas irmãs e irmãos em Cristo.

Na sua igreja, os sermões que antes falavam de amor e salvação se transformaram em discurso de ódio?

Na sua igreja, você é mais exortado para disputar o poder do Estado do que evangelizar com o seu testemunho pessoal de fé?

Na sua igreja, há o cuidado para não adorar esculturas e cair na idolatria, contudo se admite que irmãos celebrem enrolados na bandeira de Israel como se estivessem cobertos pelo manto divino?

Para os cristãos, a melhor maneira para discernirmos os espíritos é nos voltarmos para Jesus. Duvido que em qualquer sinagoga no Mundo Jesus seja voz de autoridade, referência de fé e prática. Estou tranquilo quanto a isso. Que as tradições religiosas busquem ao seu modo o divino. Não espero de quem professa o judaísmo de forma honesta e sincera que se dobre ao nome de Jesus e o adore como senhor, mestre e salvador.

O que julgo insuportável é que em igrejas ditas cristãs transformem bandeiras de Estados Nações em mortalha de Jesus. Que os remanescentes se rebelem. Que os profetas apaguem o fogo estranho no altar e derrubem os altares dos falsos deuses. Que a voz profética venha poética com hálito cheirando a mel.

Valdemar Figueredo
Editor do Instituto Mosaico, Pesquisador da USP (pós-doc), cientista social e pastor
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