PROFECIA COMO COMUNICAÇÃO

“O Senhor Deus me deu língua de eruditos, para que eu saiba dizer boa palavra ao cansado.” (Isaías 50.4).

Cantar na Babilônia era difícil para os hebreus; imagina falar de esperança?

A náusea de viver trancado, dependendo do arbítrio do outro, transforma a esperança em palpite otimista. Só que essa vaga ideia de que as coisas podem melhorar depende única e somente do humor.

Diz a sabedoria popular que falar é fácil. Mas depende de onde e quando. Uns poderiam afirmar: “De onde estou e neste tempo da vida, não me arrisco a falar nada”. Falar pode ser difícil.

Calamos quando a vontade é rugir. Engolimos as palavras a seco. O cativeiro impõe o silêncio. Ainda que os opressores saibam o nosso idioma, eles não têm interesse em nos entender.

Imaginemos o profeta Isaías, que passou anos falando sobre o duro juízo de Deus. O povo foi para o cativeiro e sofreu o que foi predito. Depois vem ele tentando estimular àqueles que estavam marcados pelos sofrimentos. Não, não era fácil falar!

Isaías tinha uma mensagem de recomeço para dividir com o seu povo. Detalhe é que os receptores imediatos daquelas palavras estavam cansados. O profeta estava exausto.

            “Ele me desperta todas as manhãs, desperta-me o ouvido para que eu ouça como os eruditos” (Isaías 50.4).

Quando nos referimos à comunicação, geralmente pensamos na fala fluida, na língua solta, nas gesticulações expressivas seguidas de sons. Tão importante quanto ter o que falar é saber ouvir. Capacidade de silenciar para deixar o outro se expressar.

A força das nossas palavras está relacionada à nossa capacidade de silenciar para ouvir a Deus. A experiência de aquietar e perceber que Deus se faz entender de diversas formas.

Por que nas igrejas se fala tanto? O templo é barulhento. Microfonias e polifonias.

Tem razão o profeta que diz: “Quão formosos sobre os montes são os pés do que anuncia as boas-novas, que proclama a paz, que anuncia coisas boas, que proclama a salvação, que diz a Sião: O teu Deus Reina!” (Isaías 52:7).

Quem quer ouvir a Deus, por que não se cala?

A imagem é bela. Alguém que toma conhecimento de algo importante e se apressa para contar a outros. Supera as distâncias para alcançar os outros. Portadores de boas notícias que correm pelos campos, sobem e descem os montes imaginando as reações dos receptores.

A quietude é um exercício e a meditação uma necessidade. Ter algo relevante para dizer decorre dessa capacidade de sossegar.

Aprendamos a arte da quietude descrita por Pico Iyer:

            “No mundo de hoje, onde impera a velocidade, nada é mais revigorante do que ir devagar. Numa época de distração, nada é mais enriquecedor do que prestar atenção. E numa época de movimentos constantes, nada é mais urgente do que permanecer parado, sentado em silêncio.”[1]

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[1] IYER, Pico. A arte da quietude: aventuras rumo a lugar nenhum. São Paulo: Alaúde Editorial, 2015, p.82.

Foto: Domínio público/pxhere

 

Valdemar Figueredo
Editor do Instituto Mosaico, Pesquisador da USP (pós-doc), cientista social e pastor
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