PROFECIA COMO DURO JUÍZO

Quando refletimos sobre a justiça de Deus geralmente pensamos NELES.

Rubem Alves aguça nossa compreensão sobre a tendência de vivermos de forma estúpida tentando superar os outros. Conta que um sujeito encontrou uma lâmpada mágica. O gênio surpreendeu ao anunciar que o sortudo não precisava limitar-se a três pedidos. Tudo que pedisse seria atendido. Contudo, esclareceu o gênio: “Tudo que você pedir, seu pior inimigo terá em dobro”. O primeiro desejo revelado ao gênio pelo sujeito afortunado: “Fura-me um olho”.[1]

Ajustamos as lentes, pois preferimos olhar para os outros. Sejam os de perto ou os de longe, conforta imaginar que os adversários serão afetados pelos toques do reto juiz. Esperamos que declinem. Caiam da posição em que estão.

O difícil é admitir que pensamentos tão tacanhos habitem a mente de gente tão elevada, como eu e você. Mas, frequentemente, ajuizamos que a manifestação da justiça de Deus tem a ver com o sofrimento ou prejuízo DELES.

Tendemos a organizar o mundo como se fosse uma caixa com dois compartimentos: ELES embaixo e NÓS no alto.

O maniqueísmo ao nosso modo torna a vida fácil, pois elimina toda ambiguidade. No entanto, a arte de simplificar pode resvalar nos reducionismos.

Predições de ajustes de contas em que os ouvintes imediatos (religiosos) se satisfazem porque os seus adversários (supostamente ímpios) serão transtornados.

No fim da seção do livro de Isaías, quando predições duras são dirigidas aos adversários, quase que podemos ouvir um sonoro AMÉM por parte de religiosos ressentidos!

Oração maniqueísta: Caso a profecia como justo juízo tiver que ser proferida, que seja contra ELES.

Quando estivermos chateados pelas afrontas sofridas, preferível que não amaldiçoemos os nossos ofensores.

Quando formos violados e machucados, preferível que não planejemos a vingança.

Quando estivermos amedrontados depois de sucessivas ameaças, preferível que não nos desesperemos e partamos para cima dos supostos adversários.

Quando pensar na justiça de Deus, ajuste o foco da lente. Olhe para si mesmo.

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[1] ALVES, Rubem; SCLIAR, Moacyr. Rubem Alves e Moacyr Scliar conversam sobre o corpo e a alma: uma abordagem médico-literária. Campinas: Saberes Editora, 2011, p.37.

Foto: Domínio público/pxhere

 

Valdemar Figueredo
Editor do Instituto Mosaico, Pesquisador da USP (pós-doc), cientista social e pastor
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