PROFECIA COMO RESTAURAÇÃO

Quanta dor por não conseguir diminuir o sofrer daqueles que esperam por nós.

O nascimento da filha Rachel transformou o educador da Unicamp Rubem Alves. A menina nasceu com uma deficiência facial e até a adolescência precisaria passar por várias cirurgias. A coisa em si não a incomodava tanto. O sofrimento decorria do olhar dos outros que denunciavam que ela era diferente. A partir de então o pai se transformou num escritor de contos e histórias infantis. Enternecido, sua produção literária ganhou uma humanidade arrebatadora. Em linhas gerais, poeticamente ele dizia: “A escola era inadequada, ela não; A sociedade estava deformada, ela não”.

Recado de Deus através do profeta: “Não me esqueci de você” (Isaías 49.15).

Os exilados poderiam voltar a sonhar com o futuro dos seus filhos. O futuro seria desobstruído. Renascimento da esperança! O grande drama dos exilados: saber que os filhos seriam escravos. No cativeiro não há mobilidade social. Quando parece que o futuro das crianças e dos jovens já está programado, os adultos perdem a coragem.

Deus fala através do profeta: os seus filhos crescerão, amadurecerão, vão viver em condições melhores do que as suas e os seus limites serão ampliados! (Isaías 49.20)

Poucas coisas fazem sofrer tanto quanto ver um filho em sofrimento. Para que os exilados soubessem que de fato o cativeiro estava com os seus dias contados, um aviso: “Vou restaurar os seus filhos!”

Quando menino eu peguei uma pipa “avoada”. No contrato das ruas, no meu tempo, pipa “avoada” é de quem pega. Eu estava num pátio de uma ampla casa em que minha mãe era empregada doméstica. Na verdade, eu estava nos fundos quando solenemente a pipa caiu na minha frente. Não precisei correr atrás. Era só pegar. Peguei. Mas a alegria durou pouco. A filha da dona da casa exigiu que eu entregasse a pipa.

– Mas eu peguei!

– A pipa caiu na minha casa!

A lógica da propriedade privada do mundo adulto foi mais forte do que as regras das ruas entre as crianças. Entrei no quarto da empregada para chorar escondido. Não lembro se pela pipa ou pela humilhação. Minutos depois a menina estava à porta dizendo que a pipa era minha. Não lembro se ela o fez porque me ouviu chorar ou porque perdeu o interesse depois de demarcar o seu poder sobre mim.

Não recordo se minha mãe viu a cena. Mas se viu, sofreu mais do que eu.

Recado de Deus através do profeta: “Não me esqueci de você” (Isaías 49.15).

Profecia em progressão: Vou levá-lo para casa; o seu cativeiro está terminando; ouvi as suas orações; vou restaurar os seus filhos.

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Foto: Domínio público/pxhere

Valdemar Figueredo
Editor do Instituto Mosaico, Pesquisador da USP (pós-doc), cientista social e pastor
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