Santificado seja o teu Nome

Na nossa cultura, cabe aos pais colocar o nome no filho recém-nascido. Em alguns casos excepcionais, na ausência ou incapacidade dos pais, outras pessoas têm esse privilégio. O que fica caracterizado é que quem nomeia tem autoridade e responsabilidade sobre a criança.

Existem nomes que foram colocados como homenagem. No meu caso, herdei o nome do meu pai. Quem carrega nomes pesados dos seus antepassados também carrega a responsabilidade de honrá-los. Durante um bom tempo, a pronúncia do seu nome mistura-se com a imagem que os outros têm do seu progenitor.

Há casos em que o nome dado teve a ver com projeção. Os pais não estavam tão envolvidos com as memórias, mas com o futuro. Colocam nomes nos filhos e nas filhas identificando-os com pessoas que admiram. No caso dos meus filhos, João e Pedro não foi deferência aos discípulos de Jesus, mas a dois homens que eu e Patrícia temos profundo amor e admiração. Exemplos de pessoas que gostaríamos que nossos meninos mirassem.

Enfim, colocar o nome em alguém fala mais ao nosso respeito do que propriamente revela a pessoa nomeada.

Algumas pessoas preferem chamar a prole por um nome detidamente estudado. Para esses, importa que os nomes transmitam sentidos. Então, qual o sentido desse nome? Podem aprofundar pesquisas etimológicas para cavar os sentidos que não estão nas margens. O colocar o nome como atividade racional em que as ideias importam.

Quem recebe um nome dos pais ou dos responsáveis, recebe junto, para carregar ao longo da vida, legados, afetos, desejos, memórias, expectativas.

Mudando um pouco o tom da prosa, no mundo científico, em que há busca constante por novas descobertas, a cientista ou o cientista que faz a descoberta, batiza a coisa, geralmente, com o seu próprio nome. Talvez não saibamos descrever os conceitos envolvidos para dar conta dos movimentos dos corpos materiais segundo a física. No entanto, já ouvimos falar nas Leis de Newton. É comum, no mundo da ciência, a coisa descoberta receber o nome da pessoa que comprovou a teoria pesquisada.

Seja na nomeação familiar ou na científica, quem nomeia tem autoridade sobre a pessoa/coisa nomeada. Quem recebe o nome carrega consigo memórias, afetos e projeções.

Bem curiosa a experiência do profeta Moisés no Monte Horebe. Ele foi visitado por uma visão de Deus. Os doutos chamam isso de epifania. Um homem cuidando do rebanho quando ouve Deus nestes termos: chega pra cá… fica descalço… conheço o sofrimento dos seus irmãos… decidi livrá-los e quero combinar umas coisas contigo… (Êxodo 3). Espantado, a resposta de Moisés foi em duas direções. Ambas relacionadas com identidade: Quem sou eu? Qual é o seu nome?

Quem nomeia, tem poder sobre o nomeado. Quem nomeia, é dono e pode patentear a coisa em seu nome.

Na relação com Deus, ele não está limitado as minhas experiências nem as minhas memórias. Muito menos, o Totalmente Outro, não vive confinado as minhas expectativas.

Deus não se deixará nomear pelos catálogos dos religiosos que vivem de memória e por uma questão de segurança, tendem a correr para os cartórios. Para os tais, não basta chamar pelo nome, é preciso atestar pelas escrituras (carimbadas e com reconhecimento de firma) que têm poder sobre ele.

Os apologistas de plantão não suportam a ideia de Pai Nosso. Dedicam-se de corpo e alma para definir Deus e desautorizar todas as demais formas de aproximação. Falseiam como se estivessem no campo da ciência discutindo racionalmente sobre Deus. Não se trata de procura, mas de pura patrulha. O divino do qual gostam não é o Eu sou o que sou, mas o ídolo que é pura projeção.

Orar pedindo a Deus que nos ajude a santificar o nome Dele é orar por depuração. Que seja restaurado em nós o olhar que contempla o mistério sem tentar contê-lo. Não temos poder sobre Deus. Nossas carências não definem as prioridades de Deus. Nossas projeções sobre o futuro não vão confiná-lo num beco histórico.

Ainda que você pronuncie o nome Deus, Ele não está circunscrito as suas experiências nem pressionado pelas suas expectativas.

Valdemar Figueredo
Editor do Instituto Mosaico, Pesquisador da USP (pós-doc), cientista social e pastor
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