Um espectro ronda as igrejas

A certeza absoluta imprensada em cápsulas leva ao fervor do fanatismo. O fanático odeia a dúvida, e por extensão, ao cético. O ceticismo não nega, apenas suspeita. O fundamentalista não suspeita, apenas nega. O fascista não admite conviver com o cético. Quando o totalitarismo do poder político é revestido pela linguagem “cristã”, vira um troço.

O fervor religioso na fervura da crença política. Mistura que geralmente degenera tanto a expressão de fé quanto a racionalidade política. É como se fosse um experimento de laboratório em que elementos bem conhecidos são misturados em alta temperatura e geram efeitos explosivos.

Historicamente, sistemas despóticos pegaram emprestados os sentidos religiosos para temporariamente traduzirem seus experimentos para as massas humanas. A retórica bibliopolítica tem um quê de diabólica.

Os usuários da retórica bibliopolítica, antes de se pronunciarem para motivar as massas, ocupam-se da arte da interpretação para legitimar suas falas. Antes de aplicar o texto sagrado às circunstâncias políticas ordinárias, os oradores ocupam-se com o trabalho hermenêutico. Distorcem o conteúdo bíblico para brindar suas certezas sociais. Seja a Constituição ou a Bíblia, seja o hermeneuta jurista ou teólogo, o intérprete ilustrado consegue vergar os sentidos pela força dos seus desejos. A vontade (seja ela pessoal ou das massas) importa mais do que a “verdade” (seja ela qual for).

Quem estuda história logo conclui que fundamentalismo religioso e fanatismo político na mesma panela de pressão, geralmente, produz um caldo de violência. O messianismo político no espírito das cruzadas. Navegar é preciso, mas não mais do que colonizar.

No Brasil contemporâneo, para alguns líderes religiosos, o ser cristão implica em ser reacionário. Pelo que dizem e fazem, parecem querer retroceder para algum tempo antes da Modernidade. Sisudos, deixam-se fotografar com armas, ladeados por membros da Bancada da Bala. Os tais sacerdotes se posicionam nos conflitos do campo. Leem a Bíblia e a Constituição para afirmar o direito à propriedade como o “mourão” da cerca conceitual.

O Brasil rural dos latifúndios e grileiros é naturalizado nas prédicas dominicais. Evitam citar os que assumiram o lado dos oprimidos, como Amós, Dorothy Stang, Pedro Casaldáliga, dentre outros. E quando comentam o legado desses profetas, é para desqualificá-los com a pecha de comunistas.

Em vários espaços da Igreja Evangélica, quem fala em Direitos Humanos é rotulado como comunista ateu. Quem rotula ou não sabe o que é o comunismo ou está confuso quanto ao ser cristão. Adota a comunicação das frases curtas, soltas e certeiras. Palavras que são miradas para abater os “inimigos” imaginários.

Seja pela ignorância disfarçada com os títulos acadêmicos ou pela má fé, setores reacionários das Igrejas Evangélicas reeditam no Brasil atual o que outros grupos cristãos fizeram na Itália Fascista no tempo de Benito Mussoline (1883-1945), na Espanha na época do Generalíssimo Francisco Franco (1892-1975) e na Alemanha Nazista liderada por Adolf Hitler (1889-1945). Nunca esquecer que os tais ditadores foram ungidos por líderes religiosos para massacrar os inimigos internos e externos, em nome de Jesus, é claro!

Setores das Igrejas Evangélicas estão flertando com um tipo de totalitarismo político carismático que aumenta a sua visibilidade no Brasil. A linguagem é extremamente rude, raivosa, moralista e violenta. Para esses, a sociedade civil não é o locus da pluralidade em que as disputas sociais e políticas ocorrem de forma civilizada e dialogal. Por confundir fervor com violência, esses grupos atuam no sentido de eliminar as vozes destoantes.

Valdemar Figueredo
Editor do Instituto Mosaico, Pesquisador da USP (pós-doc), cientista social e pastor
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