VAI, VATTIMO! AMOR NÃO CORRESPONDIDO? Como crer em Deus depois da minha experiência com a Igreja?

Nesta terça-feira (19/09/2023), em Turim, aos 87 anos, morreu o filósofo italiano Gianni Vattimo (1936-2023). Reproduzo aqui um trecho (fora do contexto) de um ensaio que escrevi (ainda não publicado) em que a experiência de Vattimo com a Igreja foi um típico caso de “amor não correspondido” pelo fato dele ser gay e ter filosofado sobre a não-normatividade. Singela homenagem de um leitor grato.

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As ambiguidades filosóficas são retratadas nos traços biográficos de Vattimo. Formação cristã com fortes vínculos com a Igreja Católica italiana. Nas experiências de juventude e com a sua formação filosófica, chegou a considerar banal as questões relacionadas à fé. Por fim, quando idoso, no livro Acreditar em acreditar, o autor narra o seu “retorno”.

Contudo, esse retorno não é análogo ao do filho pródigo da parábola do evangelho que volta à casa do pai sem nada. Vattimo se diz indisposto a renunciar à bagagem que adquiriu ao longo dos anos pelos caminhos existências e filosóficos. Caracteriza a Igreja como rígida nas suas certezas, mas bastante deslocada na Modernidade tardia. O enquadramento simplório por setores ortodoxos, assentados na tradição Pré-Moderna, diria que o sujeito que retorna à comunidade de fé precisa provar sua abnegação e conversão. Muito do que a Igreja atribui como selo de autenticidade cristã é expressão do seu poder institucional e não necessariamente essência dos princípios ensinados por Jesus Cristo nos evangelhos. Sinais externos que são exigidos como pré-requisitos de encaixes institucionais. Vattimo interpreta o seu “retorno” como “acreditar em acreditar”, o que não significa voltar para a Igreja.

Em termos mais objetivos, Vattimo não atribui à Igreja o papel de vilã pelo fato de não corresponder, muitas vezes, às expectativas e necessidades daqueles que tomam a iniciativa da reaproximação. Mas a partir da sua própria experiência, entende a questão moral pregada pela Igreja como pedra de tropeço. Seria uma ética baseada em dogmas que nada tem a ver com a Modernidade e são, racionalmente falando, insustentáveis. Alega que talvez este fato seja um dos principais motivos que levam a muitos a negarem a Deus.

O comportamento da Igreja frente à homossexualidade torna-se para Vattimo uma chave de leitura muito mais do que um problema isolado responsável pelos seus hipotéticos ressentimentos e consequentes afastamentos da Igreja e de Deus. A dedução lógica foi: “Como poderia pertencer a uma igreja cujo ensinamento público me considera uma pessoa moralmente desprezível ou […] como um doente que é preciso curar, um irmão monstruoso que se deve amar mas também manter escondido?”.

O termo “amor infeliz” é apropriado para resumir a relação de Vattimo com Deus e a Igreja. Ele lida com o tema da fé não como um objeto abstrato, muito menos com distanciamento típico de analistas neutros. Traduz a sua proximidade ao optar por filosofar no uso da primeira pessoa do singular. Descreve o seu afastamento de Deus e da Igreja, mas não sem dor. Por fim, usa reiteradamente o termo “retorno” para demarcar o seu renovado interesse em falar e escrever sobre fé e religião.

Não iremos exagerar em dizer que o texto de Vattimo revela bem mais do que análise filosófica. Trata-se de um ensaio em que fala da sua experiência, mas a sua inquietação é com a forma com que a Igreja se porta na Modernidade. Mesmo as críticas revelam muito mais as preocupações de um autor envolvido do que propriamente um detrator desligado. Ao seu modo, a partir da experiência, Vattimo convida os cristãos para um proceder mais humano que revele a Deus.

Valdemar Figueredo
Editor do Instituto Mosaico, Pesquisador da USP (pós-doc), cientista social e pastor
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