O setembro amarelo é uma campanha mundial de prevenção ao suycydyo. Durante o nono mês do ano multiplicam-se as palestras, rodas de conversa, campanhas publicitárias e eventos sobre a importância do cuidado com a saúde mental.
Recentemente, no início de agosto, veio a público a notícia do suycydyo de um pastor da Igreja Universal, um brasileiro de 35 anos que atuava na Bolívia. Durante uma live, no dia 09/08, o bispo Edir Macedo, líder e fundador da denominação, declarou:
Esses fracos querem uma satisfação. ‘Diga lá, o que o senhor acha? E agora, o que o senhor vai falar sobre o suycydyo desse pastor?’. Esse pastor nunca foi pastor. Ele tinha título de pastor, mas nunca foi. Ele nunca foi um homem de Deus, porque, se ele fosse homem de Deus, ele passaria pelos problemas que passou e venceria (…) Morreu, morreu. Acabou. O que eu posso fazer? ‘Ah ele se matou’: problema dele. É problema dele com Deus, não é comigo. Nós fizemos a nossa parte. A minha consciência está perfeitamente limpa.
O mundo vive uma epidemia de suycydyo e isso não exclui os religiosos, muito menos os sacerdotes. O estigma que cerca o suycydyo começa pela linguagem. Isso porque utilizamos a expressão “cometer”, que também é utilizada para crime ou pecado (para alguns, imperdoável).
Os pastores e padres figuram entre as categorias mais propensas ao suycydyo, assim como profissionais da saúde e da segurança pública. O trabalho religioso envolve lidar com a dor e o sofrimento humano. Os desafios de conciliar expectativas pessoais e públicas, manter a reputação e encarar as próprias crises existenciais podem pesar muito. Além disso, há um ponto em comum no relato de líderes religiosos: a solidão. O isolamento tende a agravar qualquer situação, dificultando o acesso à ajuda necessária.
Em 2023, uma pesquisa do Barna Group, publicada no livro “The State of Pastores, vol. 2” (O estado dos pastores), apontou que 18% dos pastores protestantes seniores nos EUA afirmaram ter tido algum pensamento relacionado a autolesão ou suycydyo nos últimos 12 meses.
Na pregação de Edir Macedo o suycydyo ou a ideação suicida são vistos como falta de Deus, falta de fé, perturbação demoníaca ou fraqueza. A espiritualização do fenômeno retira o seu caráter essencialmente humano. Talvez seja esse o ponto.
Qualquer construção teológica que vá ao encontro do pensamento de Macedo não permite uma discussão honesta sobre o assunto. Mas há alternativas. Tomemos como inspiração o trabalho do teólogo católico espanhol José Maria Castillo, que desenvolveu uma teologia voltada para o caráter humano do Cristo.
Nesta perspectiva, contrapõem-se dois modos religiosos: um que busca a santidade pela negação do humano e outro marcado por uma visão profundamente humanista. No primeiro, vigora o paradigma de que quanto menos humano, mais divino. Já Castillo sustenta que o evangelho, na verdade, inverte essa lógica: quanto mais humano, mais divino.
Em suma, a mudança para o cenário de adoecimento mental entre pastores e padres passa pela humanização: líderes religiosos que se permitem mostrar as suas vulnerabilidades; instituições religiosas que cuidam de seus padres e pastores e oferecem períodos de descanso; suporte e acesso a profissionais de saúde mental; relações mais horizontalizadas; espaços seguros para diálogos e trocas em que se possa falar, abertamente e sem julgamentos, sobre si e suas dores.
Por fim, relembro aos pastores, pastoras e padres o que escreveu um experiente apóstolo a um jovem pastor: cuida de ti mesmo (1 Timóteo 4:16).