PROFECIA COMO CANÇÃO
Por parte do agricultor, todas as condições foram dadas para que a produção fosse boa. “Fiz por ela tudo o que podia, então, porque produziu uvas azedas em vez de uvas doces que eu esperava?” (Isaías 5.4).
A ganância azeda toda produção coletiva. Latifundiários sempre prontos a despejar outras famílias para estender as suas propriedades. Os caras queriam colocar cercas com cadeados na terra da promessa. Quem vive cheio de ambição é capaz de achar que o grande dever de Deus é potencializar os seus projetos pessoais. Nesta dimensão, certamente, produzirá uvas azedas.
A quebra de confiança azeda as relações. Quando as intenções são questionadas não há mais o que dizer, nem pedir, muito menos sugerir. Explorando a figura de linguagem, no mundo do racionalismo técnico há quem prefira os manuais à companhia dos mestres. Seguem as evidências e fogem do Mistério.
A autossuficiência azeda a fé em Deus. Têm pessoas que não esperam nada de Deus porque supõem que podem tudo sozinhas. Antes da colheita fazem dívida por conta e preparam a campanha de marketing. Com gráficos otimistas, convencem financiadores que até a rolha da garrafa está na ponta do lápis. Parece que pensaram em tudo e vislumbram bom vinho na garrafa. No entanto, a vida é um amontoado de imprevistos.
“A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito, a queda.” (Provérbios 16.18).
O filósofo grego Diógenes, conhecido pelo seu desapego, vivia livre de tutelas, foi contemporâneo do filósofo Aristipo, que pertencia à corte real e por isso mesmo sabia fazer concessões aos poderosos. Num encontro, Aristipo criticou: “Você não precisava estar se alimentando de restos como este prato de lentilhas se se submetesse ao rei!” Ao que Diógenes respondeu: “Você não precisaria se submeter ao rei se tivesse aprendido a se contentar com lentilhas”.[1]
Sobre o mesmo Diógenes, conta-se que o rei foi visitá-lo com pompas e circunstâncias. Mas Diógenes estava seminu tentando se bronzear. O rei declarou a sua grande admiração pelo mestre e numa típica fala de poder declarou: “Peça o que quiser e eu lhe darei!” Diógenes levantou a cabeça um pouquinho e mandou: “Majestade, sai da frente do meu sol!”
Que a canção brote a despeito dos resultados. Quanto à qualidade das uvas, depois de fazermos tudo que estiver ao nosso alcance, aprendamos a conviver com os imprevistos sem azedar. Que tenhamos a capacidade de avaliar e recomeçar sem perder a canção.
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[1] PIQUEMAL, Michel. Fábulas filosóficas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2009, p.46.
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