Venha o teu Reino
Conheço pessoas que são práticas, não agem por impulsos, mas pelos cálculos. Pragmáticas, não desperdiçam as oportunidades. Gente sensata, organizada, pés no chão, com forte senso do útil e inútil. Quando entram para orar no quarto, lidam com a realidade.
No entanto, quero falar neste espaço sobre outro tipo de gente. Aqueles que entram no quarto, fecham a porta e se põem a pensar num mundo que não existe. Pessoas que vivem como se estivessem com a “cabeça na lua”, distraídas quanto à casa certa dos botões.
Imaginam coisas, vivem falando de novos projetos, inconformados com as estruturas, caderno para anotar as novas ideias, falam com Deus sobre o mundo que estar por vir.
Jesus entre as irmãs Marta e Maria, entre os amigos João e Pedro e entre as autoridades dos profetas e sacerdotes…
Podemos entrar no quarto para avaliar o domingo ou para sonhar com a sexta-feira. Temos a opção de em oração calcular os novos passos ou se entregar à possibilidade do êxtase.
Aprendi que há, logo após o êxtase, uma ação que resulta da experiência vivida. O êxtase do qual estou falando não é extático, mas dinâmico.
A oração que diz VENHA O TEU REINO é admitir: (1) a história está em gestação; (2) sonhar é não se conformar com este mundo; (3) o que adiantaria ganhar o mundo e perder o riso? (4) a vida é trem bala, mas não mais veloz do que o pensamento; (5) seja o agito de Marta ou o quedar-se de Maria, lembrar que a referência é Jesus.
Eu ainda não estou satisfeito. O movimento veloz nos deixa tontos, zonzos e até mesmo sem tempo para pensar o que estamos fazendo das nossas vidas.
Parece que as pessoas mais práticas são mais rápidas para responder aos acontecimentos e assim se adaptarem. Mas, e se eu estiver me amoldando a um sistema cruel? E se eu estiver me conformando a um mundo injusto? E se eu for conivente com a opressão dos poderosos?
No quarto, entramos na trama divina pensando em construir uma outra ordem. Oração misturada com sonhos, utopias e esperanças. Cabeça no travesseiro, não na lua. Esperançoso não é o mesmo que abobalhado.
Minhas orações não são cartesianas, muito menos coerentes. No meu quarto, tenho altos papos tipicamente infantis. Muitos ao crescerem perdem a capacidade de subverter a realidade. Quanto mais velho, quero me tornar mais infantil, imaginando mundos que não existem.
O mundo ocidental capitalista para muitos é o mundo possível, enquanto para outros é o melhor dos mundos. Saiba que nas minhas orações regularmente profano Mamon.
No meu quarto à meia-luz, estou mais para Mario Quintana do que para Milton Friedman.
No que depender de mim, serei um velho tão teimoso quanto esperançoso. Daqueles que não são dados a ficar contando as coisas do passado. Quero ser um velhinho esguio que fica arrumando casos, chamando a estupidez de estupidez e a ganância de ganância.
Velhinho sem rabo preso, capaz de voar.
Velhinho sem pretensão de deixar legado, por isso mesmo, com tempo para viver.