Batistas e vetos: Martin Luther King Jr. e Sérgio Dusilek

Eu bato o portão sem fazer alarde

Eu levo a carteira de identidade

Uma saideira, muita saudade

E a leve impressão de que já vou tarde

Chico Buarque

 

Martin Luther King foi pastor da Igreja Batista Ebenezer, em Atlanta, Geórgia, EUA. Martin Luther King Jr. foi pastor batista como o pai e se notabilizou como líder do movimento pró-direitos civis. Ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1964 e foi assassinado em 1968.

A Southern Baptist Convention, em relação ao jovem pastor negro, se declarava apolítica. Mas sugiro aos curiosos que pesquisem: a Convenção Batista do Sul publicava notas de reconhecimento ou de repúdio sobre o ativismo do pastor Martin Luther King Jr.?

O mundo reconheceu e aplaudiu o senso de justiça, a coragem, a prática do pacifismo e o apego do Luther King à democracia. A Convenção Batista do Sul o olhava como problema, um agitador que precisava ser contido.

Muitos pastores, negros e brancos, tentavam desqualificá-lo com a pecha de comunista. Muitos irmãos e irmãs que se consideram santificados diziam que Luther King não os representava. Denunciavam desvio de função. O jovem pastor estava desviado, segundo eles, pois ao invés de pregar a salvação individual estava incitando marchas para a salvação coletiva.

Os batistas do sul, brancos e pretos, estavam acostumados com a segregação e reagiram à luta pelos direitos civis como fútil agitação política. Ademais, não eram poucos os batistas do sul que eram ardorosos defensores do sistema segregacionista.

No dia 12 de abril de 1963, pastores brancos de Birmingham escreveram uma carta a King tentando demovê-lo. Num tom “apaziguador”, queriam os pastores brancos que o pastor negro pusesse um fim às manifestações.  Na sua epístola da prisão, em Birmingham, com dor e ternura, King respondeu:

Com uma profunda decepção tenho lamentado a indiferença da Igreja. Mas tenham certeza de que minhas lágrimas são de amor. Não pode haver uma decepção profunda se não houver um amor igualmente profundo. Sim, eu amo a Igreja. (…) Com frequência a Igreja é uma arquidefensora do status quo. Longe de ser ameaçada pela presença da Igreja, a estrutura de poder da comunidade em geral é consolada por sua aprovação silenciosa.[1]

De fato, quem nunca sentiu a dor da discriminação pode ser ponderado e aconselhar obediência irrestrita aos governantes, ainda que injustos. Quem nunca sentiu os ferrões da segregação piedosamente aconselhava: “Espere!”

***

Ainda bem que a Convenção Batista Brasileira não tem do que se envergonhar, não se associa com opressores, não tenta tutelar a liberdade dos seus pastores, não é seletiva em termos de apoio político, não reitera discriminações de gênero, não depende de mantenedores com muito dinheiro e nenhum caráter, não adora ídolos nem mitos, não cogita perdão do governo de dívidas milionárias contraídas por gente do bem, não fala grosso no Rio de Janeiro e fino em São Paulo, não encobre pecados dos medalhões nem queima a meia boca os indesejados. Enfim, ainda bem que a Convenção Batista Brasileira, com seus milhares de membros batizados por imersão, não é identificada como uma variante do terrivelmente evangélico.

***

* CONTÉM IRONIA!

 

[1] KING, Martin Luther. A autobiografia de Martin Luther King. Organização, Clayborne Carson. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. p. 235

Valdemar Figueredo
Editor do Instituto Mosaico, Pesquisador da USP (pós-doc), cientista social e pastor
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