Aluna Distraída, Mãe Atenta
O semestre não vai ser nada fácil. Lista de chamada com 76 nomes. Duas turmas de fisioterapia agrupadas para cursar sociologia. A instituição quer acertar o currículo e optou pelo caminho fácil: o frescor dos novatos do segundo período junto com os veteranos do sétimo.
No palco de uma sala larga e comprida um professor solitário. Como justificar a minha presença? Minimamente teria que dizer que além de obrigatória a disciplina era relevante para a vida e para a carreira profissional.
Julguei contraproducente apresentar assim de cara os senhores Emile Durkheim, Karl Marx e Max Weber.
O curso seguiu com suas nuances, curiosidades, aborrecimentos, alegrias, risos, amizades e aprendizados. Conforme ensinou o mestre Paulo Freire, a sala de aula é lugar de encontros humanos antes de descoberta de conteúdo. Professores e alunos são gente e precisam aprender a arte da convivência.
Mas nessa turma tinha uma moça intocável. Quando chegava a aula já havia começado e saia sem que houvesse terminado. Nenhuma intervenção, jamais elaborou uma pergunta, evitava as atividades didáticas em pequenos grupos, sequer um olhar interessado. O resultado da primeira prova não a demoveu da sua postura dispersa.
A curiosidade em relação a ela foi se transformando em antipatia. Postura que destoava da turma interessada. Raciocinei que aquela no balanço final não teria nenhum tipo de condescendência. Precisava conquistar na segunda prova a nota máxima para obter a aprovação direta. Preferia chamar a minha doce vingança de dever do educador frente ao discente displicente. Ato exemplar que serviria para a vida. Hoje está claro que a minha aposta no fracasso dela tinha a ver com a minha vaidade: não deu a mínima para as minhas brilhantes e cativantes aulas.
Penúltima segunda-feira do semestre. Na sala de aula apenas os alunos que não conseguiram a média para a aprovação em duas provas. Pelo regimento da faculdade cabia-me uma revisão geral para na semana seguinte aplicar a prova final. Ainda a minha vaidade. Achei que tudo já estava dito, bem dito, nada mais a acrescentar.
Arrumei as cadeiras em forma circular e esperei os alunos. Propus que cada um falasse o porquê escolheu o curso de fisioterapia, fizesse um balanço do término do período e por fim, compartilhassem suas perspectivas. Queria finalizar a dinâmica com a ideia de contexto social. A chave de leitura para a prova final seria aquela.
Fui surpreendido.
Os alunos até então não aprovados tinham muito a ensinar.
Tivesse eu calado antes, sentado antes, ouvido antes…
Ouvi uma voz que eu não conhecia:
– Escolhi fisioterapia porque meu filho nasceu com paralisia cerebral. Talvez consiga formar com a turma no final do ano, mas se não der, fiz o que pude. Para estar aqui a noite minha mãe fica com ele. Às vezes tenho que correr para casa. Quanto as minhas perspectivas, quero me dedicar ao meu filho e o estimular de todas as formas.
No metrô, a caminho de casa chorei um choro tão doído… Não por pena dela ou dele. Vergonha da minha displicência. A menina que julguei dispersa era um ser humano integral, mãe atenta, fisioterapeuta com senso apurado do contexto social no qual atuava.
Fui reprovado!