Pai que Guia o Filho Cego no Orquidário

O Rio de Janeiro lindo, num daqueles dias em que o sol resolve brilhar com intensidade. Para cumprir as exigências do curso de fotografia, fui ao Jardim Botânico à procura de boas imagens para enquadrar e clicar.

Controlar a entrada de luz.

Ajustar o foco.

Um olho lá adiante e outro no fotômetro.

Eleger um “assunto” principal e enquadrar.

Observar a distância focal sem descuidar da beleza ao redor.

Perceber a incidência de luz sobre o “assunto”.

Paciência para capturar aqueles momentos decisivos.

O difícil é lembrar das técnicas quando o ambiente convida à dispersão. Olho pra cima e vejo o Cristo Redentor de costas, à esquerda contemplo um córrego na mata, à direita enxergo o bambuzal em sinfonia zen, enfim, sigo adiante e sou levado pelo encanto.

O maior desafio é integrar a arte da fotografia à sensibilidade do momento. Assim como não perder a oportunidade do registro, não quero deixar escapar a floração dos sentidos do instante. Tudo tão lindo e tão frágil.

Perco-me nas ruas de terra ladeadas por muros vivos. Coqueiros enfileirados em forma geométrica, arvorezinhas baixas e robustas, convidando-me a passar no corredor, lagos “invadidos” por plantas calorentas que só querem sombra e água fresca.

Eis que me rendo a entrar no orquidário. Explosão de cores intensas ladeadas por cândidas flores discretas. Ajusto as lentes e bem de perto clico. Sem a curiosidade de ler as plaquinhas que identificam cada espécie e dão informações botânicas. Hoje me basta ver a coisa. Sequer preciso compreender.

Enquanto eu saio, um grupo de turistas franceses entra no orquidário. Presto atenção num rapaz — na faixa dos trinta anos — que segurava no braço do pai para caminhar. O senhor esguio tinha mais fascínio pelas imagens do que qualquer fotógrafo. Embora, diferente dos outros membros do grupo, não portava sequer o aparelho de celular para capturar as fotografias. Andava devagar com o filho segurando-lhe o braço, observava detidamente e depois descrevia minuciosamente o que via.

Notaram que desisti de sair do orquidário? Num dia solar em que vagava pelo Jardim Botânico à procura dos detalhes da beleza, ali, diante dos olhos, um pai já no fim da jornada conduz o filho cego por entre as orquídeas.

O vigilante se distraiu com outro grupo. Nos poucos segundos que dispunham, o pai, como se estivesse se divertindo com a traquinagem, orientou o rapaz a chegar perto, tocar a orquídea com cuidado e a dar uma fungada daquelas. Proibido? A orquídea gostou da indiscrição da carícia proibida.

Era a grande oportunidade que eu tinha de sair da sombra e registrar o momento. Mas não consegui lembrar de enquadramentos, focos e “momentos decisivos”.

Simplesmente sorvi o “instante eterno” do amor que não captura para si. Tudo que vê, relata; tudo que toca, desata; tudo que sente, reparte; e, tudo que sabe, divide.

“São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso.” (Jesus)

Luminosos, capazes de nos maravilharmos. Numa sociedade tão visual, que não nos falte a luz. Numa sociedade tão individualista, que não nos falte o tato ao encostar no outro. Nesta sociedade tão tóxica, que não nos falte o cheiro da pessoa amada que insiste em nos segurar.

Valdemar Figueredo
Editor do Instituto Mosaico, Pesquisador da USP (pós-doc), cientista social e pastor
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